MENU
Luciano Subirá: Graça Transformadora ou Graça Transformada?
Luciano Subirá e a definição de Graça
O pastor e escritor Luciano Subirá tem se aventurado em confrontar a “moderna mensagem da Graça”, rotulada negativamente como “Hiper graça”. Como de costume, muitos pastores e lideres tem se posicionado contra o ensino HG. Porém, esses posicionamentos partem de um desconhecimento do nosso ensino. O confronto contra o ensino HG está rodeado de falácias do espantalho, falta de conhecimento, ignorância, preguiça intelectual e exageros. Por isso, tal confrontação não deve ser, em nenhum momento, admirada ou respeitada.
O pastor Subirá é um desses líderes que tem se posicionado. Recentemente ele escreveu o livro “Graça transformadora”1 onde o objetivo é trazer um “panorama completo da Graça”, aquilo que Subirá chama de “macrovisão bíblica”.
Como Subirá decide confrontar o ensino HG, acho valido que nós, escritores do Vida Trocada, possamos responder suas críticas. Por isso, eu e mais alguns escritores VT decidimos nos posicionar e responder algumas das críticas e falsas interpretações do Pr. Luciano.
Como o leitor verá nesse e nos textos seguintes, Luciano Subirá, ao confrontar o ensino HG, comete os seguintes equívocos: 1) Não fornece referências bibliográficas do ensino HG. Os leitores não encontrarão, no livro Graça Transformadora, ao menos uma referência sobre o ensino HG. Não existe citações de autores, pastores ou escritores HG. Logo, as falsas acusações de Luciano não devem ser levadas a sério – pela falta de provas; 2) Por errar nesse ponto, Subirá comete aquilo que chamamos de Falácia do espantalho: se trata de transformar o argumento do seu oponente em outra coisa (um espantalho) e atacar esse espantalho. Nesse caso, Subirá não ataca o nosso argumento ou o nosso ensino, mas uma interpretação dele sobre o nosso ensino. É sempre perigoso para um crítico formular e definir os termos de sua crítica. Ele pode redefinir os termos como lhe convém. Por isso, em todas as nossas respostas, citaremos o próprio Luciano em seu livro; 3) Subirá mostra um completo desconhecimento do ensino HG. Nessa série de textos deixaremos isso visível.
Nesse primeiro texto, gostaria de responder as definições de Subirá sobre a Graça. O objetivo é demonstrar que, por medo de cair nos perigos da libertinagem, Subirá redefine o termo graça e o estica para além de seu real e verdadeiro significado.
Pontos positivos do Livro
O livro possui pontos positivos. Um dos pontos positivos é que o Luciano Subirá não define Graça como algo estacionado no passado, como uma obra parada no espaço-tempo. Um erro que muitos teólogos reformados cometeram, e que muitos protestantes ainda cometem. Subirá defende uma Graça mais dinâmica, operante. Isso é bom, é o caminho para a verdade. Ele comenta:
Há muita controvérsia doutrinária a respeito da graça de Deus e a devida aplicação na vida cristã. Vários pregadores e mestres parecem limitar a ação da graça somente ao passado, direcionando-a somente aos pecados já cometidos. (pág. 169)
Realmente, a Graça não está estacionada no passado, ela é dinâmica, ativa, viva. Todos os proponentes HG concordariam com isso.
Outro ponto positivo do livro é que o Pr. Subirá fornece detalhes do panorama Bíblico do AT ao NT. Nesse ponto, o leitor poderá se beneficiar de pontos importantes e essenciais da narrativa bíblica. Na verdade, proponentes HG poderão concordar com vários ensinos apresentados no livro – o que mostraria, novamente, o desconhecimento de Subirá sobre o que ensinamos.
Graça no entendimento de Luciano Subirá
Embora Luciano Subirá acerte em sua definição de Graça como algo além de uma obra estacionada no tempo, ele acaba definindo Graça como uma “força capacitadora”. Segundo ele, se definirmos Graça somente como a concessão de perdão dos pecados, transformaremos a Graça em libertinagem – uma conclusão que exige, no mínimo, premissas exageradas. Por causa disso, o Pr. Luciano Subirá define Graça como uma força que nos conduz a uma vida de piedade. Ele diz:
A graça divina não é permissão para pecar sem que haja consequências; é justamente o oposto! Ela é a maior força capacitadora para nos ajudar a andar em santidade. (pág. 139)
Como demonstraremos neste capítulo, a graça é uma força capacitadora que nos foi dada não apenas para perdoar os pecados cometidos, como também para nos ajudar a evitar cometê-los. A graça nos empodera para viver a obediência aos mandamentos do Deus eterno (pág. 152)
No entendimento de Subirá existe apenas duas opções: 1) Definir a Graça como perdão de pecados e justificação em Cristo; 2) Definir a Graça como perdão e força capacitadora para a prática da santidade. Não existe uma terceira e melhor opção? Só podemos aceitar a primeira definição e, como Subirá acredita, “cair em libertinagem”, ou a segunda opção onde defenderemos a Graça como uma espécie de energia espiritual? Reduzir a Graça a somente duas alternativas é problemático. Eu opto por uma terceira alternativa: A Graça é a pessoa de Jesus Cristo.
Subirá trabalha em defesa de seu ponto de que a Graça é uma força capacitadora e, em nenhum momento, apresenta a Graça em unidade com a pessoa de Jesus Cristo. Ele cita Tony Cook que diz: “Ela (a Graça) é também a força transformadora por trás de quem nos tornamos e de tudo o que somos capazes de fazer para ele.” (pág. 10)
Subirá acredita que a maior definição de Graça é justamente força capacitadora: “Portanto, a maior definição do que é a graça é que ela veio para ser a força capacitadora sem igual que viabiliza ao ser humano a obediência que antes havia sido impossível. Fico profundamente indignado quando vejo pessoas desprovidas de entendimento bíblico sugerir que a graça é ‘permissão para pecar’, uma espécie de tolerância divina à inevitável desobediência humana. Não, mil vezes não!” (pág. 161)
Gostaria de saber quem são essas pessoas “desprovidas de entendimento bíblico” que definem a Graça como licença para o pecado. Subirá poderia nos fornecer as citações? Onde estão? Quais os nomes desses pastores e líderes? Onde estão as provas? Se eles estão gerando libertinagem na Igreja não deveriam ser citados? Subirá, infelizmente, não faz isso em nenhum momento. Por quê? Porque ele não tem provas.
Por último, Subirá acredita que a Graça veio fazer o que a Lei fora incapaz de realizar: levar o homem a obediência a Deus. Citando Hebreus 7:19, ele diz:
Se a causa da ab-rogação é justamente a inaptidão de produzir aperfeiçoamento, surge a pergunta: por qual outro motivo a graça se manifestaria como substituta da Lei, exceto para finalmente possibilitar à humanidade tal aperfeiçoamento? Apesar de ser assunto para outro momento, esse fundamento precisa ser estabelecido desde já. O aperfeiçoamento pela graça, que seria disponibilizado no futuro, nada mais é que a chave da obediência — missão impossível aos que viviam sob o regime da antiga aliança. (pág. 54-55)
Para Luciano Subirá, já que a Lei não poderia produzir obediência, a Graça vem exclusivamente com esse propósito de nos levar a obediência. Ele interpreta erroneamente a perfeição de Hebreus como comportamento e obediência e não como a realidade espiritual da identidade do crente em Cristo que é aperfeiçoado mediante o seu sangue (Hebreus 10:10,14). Ele diz “Por qual outro motivo a graça se manifestaria como substituta da Lei, exceto para finalmente possibilitar à humanidade tal aperfeiçoamento?” Em outras palavras, a Graça se manifestou para ser a graxa que nos faz obedecer a Lei de Deus. A Graça é um mero instrumento para um fim e não um fim em si mesma. Assim, a Graça é instrumentalizada e tirada da pessoalidade e obra de Cristo.
Acredito que ao invés de defender uma “Graça Transformadora”, Subirá acaba defendendo uma “Graça Transformada”, ao separar a Graça de Cristo, transformando-a em uma espécie de energia espiritual.
O erro Apostólico Romano
O leitor pode não perceber isso automaticamente, mas a definição de Subirá possui um histórico na Igreja – um histórico ruim. Suas origens remontam ao Catolicismo Romano, a era medieval.2 No entendimento do catolicismo e de Subirá, a Graça é uma espécie de Red Bull espiritual que nos conduz a boas obras.
Os teólogos Tim Chester e Michael Reeves, no livro “Por que a reforma ainda é importante?” observam que:
No catolicismo romano, a graça era vista como “algo”, uma força ou um combustível, como um energético Red Bull. Os católicos rezavam: “Ave Maria, cheia de Graça” como se Maria estivesse reforçada por cafeína espiritual.3
No entendimento católico Romano, o homem não poderia se justificar por meio da Lei, mas a Graça era a força divina que poderia produzir tal justificação e salvação – se os homens cooperassem com ela. Reeves e Chester comentam:
Conforme já vimos, [no catolicismo romano] a graça é algo como uma lata de red bull espiritual. Eu não consigo me erguer e tornar-me santo. Então, Deus me concede a graça e, de repente, eu me encontro muito mais animado e capaz.4
Os dois teólogos ainda observam que esse era o entendimento católico de “salvação pela Graça”.Em outras palavras, para o católico a salvação é pela Graça, mas tal Graça é uma energia, uma força espiritual que nos conduz a santificação e, por fim, a salvação. Subirá, além de cometer o mesmo equívoco em sua definição de Graça, também diz que a “santificação é pela Graça”, que é a Graça que nos conduz a uma vida piedosa. No entanto, ele define Graça como uma energia, separando-a da pessoa de Jesus Cristo.
Eu acredito que a Graça produz força, mas não que ela é uma força. Acredito que a Graça gera capacitação, mas não que ela é, em si mesma, capacitação. Não resumo e defino a Graça por seus benefícios, a Graça é maior do que seus benefícios e consequências. A Graça é Cristo em toda a sua pessoalidade e Obra.
Reeves e Chester destacam que no início da Reforma, os reformadores defenderam a Pessoalidade da Graça em Jesus Cristo:
…Para ser ainda mais preciso: não existe tal “coisa” como graça; há apenas Cristo, que é a bênção de Deus nos deu gratuitamente. Sendo esse o caso, Lutero tendeu a não falar muito sobre graça em abstrato, preferindo falar de Cristo. Por exemplo: “Portanto, a fé justifica porque se apodera e possui esse tesouro, o Cristo presente… o Cristo que é agarrado pela fé e quem vive no coração é a verdadeira Justiça cristã, pela qual Deus concede a vida eterna.” Em outras palavras, a graça e a justiça que recebemos no Evangelho não é outra coisa senão o próprio Cristo: “Cristo… é o divino Poder, Justiça, Bênção, Graça e Vida.”5
Eles ainda comentam que na Graça, “Para Lutero, Deus não dá senão a si mesmo; em sua graça, ele nos une a seu Filho por seu Espírito, para que compartilhemos a vida e a justiça do Filho”.6 O antídoto da definição separatista de Subirá sobre a Graça é defini-la na pessoalidade e na união com o Cristo vivo e encarnado.
A definição da HG sobre a Graça
O entendimento da Hiper Graça está em acordo com os reformadores pois defendemos a pessoalidade da Graça em Cristo. Graça não é uma coisa, mas uma pessoa. Embora possamos definir Graça como favor imerecido, somos cautelosos em destacar que esse Favor é Jesus Cristo. Essas são realidades que não podemos cometer o equívoco de desassociar.
Mauricio Fragale, pastor da Nova igreja, afirma que a Graça é o próprio Cristo. Ele escreve que “Jesus é o nosso favor imerecido”7 e “a Graça se tornou alguém, um ser, Jesus”8 Joseph Prince também defende a pessoalidade da Graça: “A graça é pessoal e veio como uma pessoa — a Pessoa de Jesus Cristo”.9 O pastor Helder Jorge, da Igreja no Cinema, também concorda com essa verdade.10 Apóstolo Braz Calderaro, da Igreja MIAM em Manaus, defende que a “Graça não é uma coisa, mas uma pessoa, Jesus.”11
Em João 1:17 lemos que a Graça “veio” (uma descrição pessoal), em Tito 2:11 Paulo afirma que a Graça “se manifestou” (apareceu). Quem se manifestou? O próprio Cristo. Ainda em Tito 2:11 Paulo dá mais duas características pessoais e cristocêntricas à Graça: A) Salvação: “graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens.”; B) Ensinamento: “Ela nos ensina a renunciar à impiedade e às paixões mundanas e a viver de maneira sensata, justa e piedosa nesta era presente”.
O que nos ensina a viver de forma correta? Uma pregação moral sobre obras mortas? A Lei ou uma pregação sobre a Ira de Deus? Não! É a Graça, é Cristo.
O teólogo suíço do século XX, Karl Barth, enfatizou as características essenciais e cristocêntricas da graça de Deus, talvez mais do que qualquer outro:
“… a graça não é meramente um dom de Deus que Ele pode dar ou não, ou um atributo que pode ser imputado a Ele ou não ser imputado. Não, a graça é a própria essência do ser de Deus. … O próprio Deus está nisso. Ele revela Sua própria essência neste fluir da graça … nesta ação Ele se interpõe nada menos e nada menos que Ele mesmo por nós … Nesta ação Ele se manifesta em toda a majestade de Seu ser … Se encontrarmos, reconhecermos e recebermos Sua graça, encontraremos, reconheceremos e receberemos nada menos e nada mais que Ele mesmo.”12
O teólogo Hans Conzelmann expressa que a “Graça está corporificada em Cristo.”13 Da mesma forma, o renomado teólogo escocês T.F Torrance afirmou que:
Paulo pensa na graça agindo dinamicamente sobre os homens. É Cristo agindo em pessoa. “Charis” (Graça) nunca é adjetivo nos lábios de Paulo, mas sempre dinâmica. Graça é o Cristo transcendente em movimento gracioso, perdoador e capacitador.14
Perceba que diferente do Luciano Subirá, Torrance não defende a Graça como capacitação, mas como O Capacitador.
Para os proponentes da Hiper Graça, a Graça não está estacionada em um evento da justificação, no perdão de pecados. Ela é ativa, dinâmica. Graça é o próprio Cristo, é uma Pessoa, é tudo o que há em Cristo, em seu ser e presença. O homem é receptivo, o homem vive pela “fé no filho de Deus” (Gálatas 2:20) vive pela fé no Espírito (Gálatas 3:2), vive pela fé como justo (Romanos 1:16). Através da fé no Evangelho, na medida em que “renovamos a mente” (Romanos 12:2), que crescemos no “conhecimento, revelação e entendimento” de Cristo e sua Obra (Efésios 1:17-18), Ele se manifesta em nossas ações e comportamentos.
Logo, a Graça não é uma coisa, não é um agente de Deus, uma substância que flui de seu ser, uma doutrina ou um remédio. A Graça é o ser de Deus em Cristo, é a própria pessoa de Jesus. É simplesmente isso que defendemos.
Explicando versículos usados por Luciano Subirá
Por último, gostaria de comentar rapidamente textos usados por Luciano Subirá para defender seu ponto de que a Graça é uma força capacitadora, além de responder outros argumentos levantados.
Comentando Tito 2:11-12, Subirá escreve: “Graça não é permissão para pecar, como alguns parecem insinuar; ao contrário, é a provisão divina para libertar as pessoas do pecado. A mesma graça que salva o homem também o ensina acerca de como deve ser sua conduta após a conversão.” (pág. 170-171)
Como já citei anteriormente, o texto de Tito 2:11-12 é um forte texto do ensino HG. Vejamos o que ele diz:
Porque a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens. Ela nos ensina a renunciar à impiedade e às paixões mundanas e a viver de maneira sensata, justa e piedosa nesta era presente, enquanto aguardamos a bendita esperança: a gloriosa manifestação de nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo. (Tito 2.11-13).
Para Subirá, esse é um texto prova da Graça como “força capacitadora” que nos “ensina a viver em piedade”. Porém, como é perceptível no próprio texto, Paulo fornece ricos detalhes da pessoalidade da Graça. Ele não define Graça como energia ou força, mas como a pessoa de Jesus. É possível argumentar isso a partir dos seguintes pontos: 1) A Graça se “manifestou” (apareceu). O termo “manifestou” aqui em Tito 2:11 é o termo grego epiphainó e o Léxico de Thayer define como: “mostrar, aparecer, tornar-se claramente conhecido, mostrar-se.”15 O mesmo termo (epiphainó) aparece em Tito 3:4 onde Paulo diz o seguinte: “Mas quando apareceu (Gr. Epiphainó) a benignidade e amor de Deus, nosso Salvador, para com os homens.” (Tito 3:4) A bondade e o amor de Deus “apareceu”, se mostrou, tornou-se conhecido. Quando Jesus veio a terra, quando o Filho de Deus apareceu, Deus mostrou seu caráter, a Graça se tornou totalmente visível; 2) Paulo afirma que a Graça é a “graça salvadora”. Quem nos salvou? O próprio Jesus; 3) Paulo também descreve que a Graça nos ensina (ensinando-nos). A Graça não é um mero ensino, ela é o próprio ensinador.
Outro texto usado por Subirá se encontra em 1 Coríntios 15:10 que diz:
“Mas, pela graça de Deus, sou o que sou, e sua graça para comigo não foi inútil; antes, trabalhei mais do que todos eles; contudo, não eu, mas a graça de Deus comigo” (1 Coríntios 15:10 – NVI)
Perceba como Paulo é rápido em destacar como o seu fazer e ser deriva da Graça de Deus. Esse é um texto que não prova, de nenhuma forma, “a colaboração do homem com a Graça de Deus”, mas a receptividade da Graça. Como o Dr. Jim Fowler observa, o homem não é passivo, ou ativo, mas receptivo a dinâmica de Deus em Cristo.
O apóstolo Paulo não diz ter recebido mais Graça que os demais apóstolos e, portanto, trabalhava mais do que eles. Paulo não está argumentando sobre receber mais e mais Graça como uma espécie de energia espiritual para fazer boas obras. Todos os cristãos receberam a mesma Graça. Todos recebemos a plenitude de Jesus: “Todos recebemos da sua plenitude, graça sobre graça.” (João 1:16). Entretanto, alguns cristãos permitem mais do que outros a manifestação dessa Graça: “e sua graça para comigo não foi inútil; antes, trabalhei mais do que todos eles…” (1 Coríntios 15:10)
Para Luciano Subirá, 1 Coríntios 15:10 apresenta a graça como uma força capacitadora. Mas, ao ler o texto com cuidado, notamos que Paulo está igualando a Graça ao ser de Deus. Podemos observar isso ao compararmos 1 Coríntios 15:10 com outra passagem notavel do apóstolo:
Assim, meus amados, como sempre vocês obedeceram, não apenas em minha presença, porém muito mais agora na minha ausência, ponham em ação a salvação de vocês com temor e tremor, pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele. (Filipenses 2:12,13 – NVI)
O genitivo “de Deus” em 1 Coríntios 15:10 deve esclarecer que Paulo não considera a graça como mera capacitação. Deus trabalha pelo seu Espírito para trazer mudanças na vida de seu povo. Noutras palavras, a “Graça” de 1 Coríntios 15:10 é o próprio Deus em Cristo. Isso fica ainda mais claro quando lemos os versos iniciais de 1 Coríntios 15, onde Paulo faz declarações cristocêntricas e pessoais sobre o Evangelho (v.1-8).
A Nova Versão Transformadora especifica ainda mais como Deus é a origem de tal manifestação trabalhadora em Paulo:
O que agora sou, porém, deve-se inteiramente à graça que Deus derramou sobre mim, e que não foi inútil. Trabalhei com mais dedicação que qualquer outro apóstolo e, no entanto, não fui eu, mas Deus que, em sua graça, operou por meu intermédio (1 Coríntios 15:10 – NVT)
Luciano também cita Hebreus 4:11 que diz:
Portanto, esforcemo-nos para entrar nesse descanso, para que ninguém venha a cair, seguindo aquele exemplo de desobediência. (Hebreus 4.11 – NVI)
Interpretando esse verso, ele argumenta:
É interessante como a Bíblia fala do esforço humano e da graça divina combinados. Um não exclui necessariamente o outro. Mesmo dependendo da graça divina, devemos cooperar com ela. Devemos fazer a nossa parte. É importante lembrar que não estamos falando apenas da conversão, mas também da caminhada cristã. (pág. 173)
O leitor percebeu a falha de interpretação? Para o Pr. Luciano Subirá, o autor de Hebreus está dizendo que o esforço está unido a Graça, unido ao descanso. A matemática é: esforço + descanso / Graça. Para Subirá, essas duas verdades são “combinadas”. Porém, uma leitura simples do texto serve para mostrar que a matematica do autor é outra. Ele não fala sobre se “esforçar e descansar”, mas sobre se “esforçar para descansar”. Não é esforço e descanso, mas o esforço PARA o descanso. Esse é um detalhe crucial. O autor não está falando de cooperação, mas de recepção.
O próximo texto dessa série trará mais detalhes sobre isso. Aqui, gostaria de ressaltar que não existe uma cooperação entre graça e esforço como muitos pastores gostam de destacar. O esforço na vida cristã não é o esforço em efetuar salvação, santificação ou ao menos cooperar com essas realidades. O esforço é o esforço em descansar em realidades já consumadas, para assim, usufruir delas.
Subirá cita outros versos, mas aqui já forneci uma interpretação de alguns citados. O leitor perceberá, ao ler os demais textos citados por Subirá, o mesmo equívoco mencionado acima: separar a Graça de Cristo.
Em outra parte do livro Subirá diz:
Um evangelho que foca apenas a remoção da condenação e da culpa pelos pecados cometidos, mas não apresenta o poder transformador da graça que viabiliza ao homem viver em obediência, nunca levará ninguém ao lugar esperado por Deus. (pág. 56)
Concordo que o Evangelho vai além do perdão de pecados – também se trata da nova identidade do crente em Cristo. No entanto, discordo de Subirá quando diz que se pregarmos apenas o perdão de pecados estaremos dando liberdade para o pecado. Na verdade, grande parte da transformação de nossos comportamentos decorre da consciência do perdão completo recebido em Cristo. É claro, não se trata somente do perdão dos pecados passados, mas de todos os pecados (passado, presente e futuro). A consciência desse perdão tem a capacidade de produzir verdadeira mudança.
O apóstolo Pedro destaca as diversas qualidades que deveríamos manifestar na vida cristã prática:
Por isso mesmo, empenhem-se para acrescentar à sua fé a virtude; à virtude o conhecimento; ao conhecimento o domínio próprio; ao domínio próprio a perseverança; à perseverança a piedade; à piedade a fraternidade; e à fraternidade o amor. Porque, se essas qualidades existirem e estiverem crescendo em suas vidas, elas impedirão que vocês, no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo, sejam inoperantes e improdutivos. (2 Pedro 1:5-8)
Os leitores poderiam questionar Pedro dizendo, “como faremos isso?” Pedro não deixa tal questão em aberto, ele responde no verso seguinte:
Todavia, se alguém não as tem, está cego, só vê o que está perto, esquecendo-se da purificação dos seus antigos pecados. (2 Pedro 1:9)
Ao invés de lhes incutir um programa de discipulado e aperfeiçoamento moral, Pedro relembra seus leitores a realidade do perdão, da justificação e da purificação que eles receberam por meio de Cristo.
Para Subirá, a vida cristã prática é o produto de irmos além da justificação e do perdão recebido Cristo. Já para o apóstolo Pedro, a manifestação da nova vida está entrelaçada com a consciência do perdão e da justificação. Noutras palavras, não se trata de “ir além”, mas de se alimentar da bênção já recebida em Cristo.
Escrevi sobre isso extensivamente no terceiro capítulo do livro E Ele nos tornou Santos (escrito em 2019):
Para muitos irmãos, a falta do fruto do Espírito é o resultado de não dar um passo além do perdão dado em Cristo, é o resultado de ficar apenas ouvindo sobre o amor e perdão de Deus e de não dar um “passo além” de esforço próprio. Já para Pedro, essa falta é resultado de não lembrar das realidades da justificação dada em Cristo Jesus. Ou seja, Pedro defende que a santidade é o resultado de vivenciar a justificação.16
Muitos podem contra argumentar dizendo que Pedro fala do esforço no verso 5 quando diz “empenhem-se para acrescentar à sua fé a virtude…” (2 Pedro 1:5). No entanto, tal “empenho” não é sem direção. O próprio Pedro especifica o empenho no verso 9: lembrar das realidades do perdão e da justificação que recebemos.
O teólogo holandês G.C Berkouwer defende a prática da vida cristã como um produto de usufruir da justificação:
A santidade nunca é uma “segunda bênção” colocada ao lado da bênção da justificação… Nossa conclusão é realizada somente em Cristo (Col. 2.10) “porque, por uma oferta, ele aperfeiçoou para sempre os que são santificados” (Hb 10.14). A exortação que chega à Igreja é que ela deve viver com fé a partir dessa plenitude; não que ele precise trabalhar para uma segunda bênção, mas que se alimente da primeira bênção, o perdão dos pecados . A guerra da Igreja, de acordo com o testemunho bíblico, brota da exigência de viver realmente desse primeiro testemunho.17
Para Berkouwer a santidade prática (o processo de mudança dos nossos comportamentos) não é o processo de irmos além da justificação, mas de vivenciarmos e mergulharmos em tudo o que recebemos na justificação. Ele destaca que, “o coração da santificação é a vida que se alimenta da justificação”,18 e, “a santificação está continuamente enraizada na justificação”.19
Conclusão
Muitos outros pontos poderiam ser comentados a respeito da definição de Graça do Pr. Luciano Subirá. No entanto, creio que cobri vários aspectos nesse texto. Meu objetivo é iniciar uma resposta aos argumentos de Subirá e fornecer uma alternativa melhor: O Evangelho de Jesus Cristo, onde a Graça é a própria pessoa de Jesus.
Meu desejo é que o leitor – que defende o Evangelho da Graça – possa obter mais fundamentos desse ensino, estando preparado para responder as críticas, além de fugir e rejeitar ensinos equivocados vestidos de piedade e santidade.
O Pr. Subirá não é um herege ou um “legalista” do século 21. Na verdade, existem pontos de seu ensino que estarei feliz em concordar. No entanto, suas definições de Graça, assim como sua falha interpretação do ensino HG precisam ser respondidas e rejeitadas. Graças a Graça, os proponentes HG estão, a cada dia, mais sábios e ponderados, não caindo em qualquer ensino, critica ou falsa acusação.
Se deseja saber mais sobre a Hiper Graça, conheçe o livro “Hiper Graça: O que Realmente Defendemos“, um tratado completo sobre o ensino HG!
Notas de Rodapé
- Luciano Subirá, Graça Trasformadora (Vida, 2021)
- Para se aprofundar ainda mais nesse ponto, recomendo o meu livro Nada Além do Sangue. No terceiro capítulo desse livro, forneço um panorama geral e profundo do debate Católico vs Protestante a respeito da definição de Graça, assim como defendo uma definição Cristocêntrica da Graça de Deus. O Nada Além do Sangue foi publicado recentemente e você consegue encontar algumas cópias na Loja da Nova Igreja: https://www.lojadanova.com/autores/eliezer-oliveira/nada-alem-do-sangue
- Tim Chester e Michael Reeves, Por que a Reforma ainda é importante (Fiel, 2018), pág. 105
- Ibid., pág. 99
- Ibid., pág. 106
- Ibid., pág. 107
- Vivendo na Graça Super Abundante, Capítulo 1
- Ibid., pág. 38
- Destinados a Reinar., pág. 22
- https://www.facebook.com/photo/?fbid=4585634131456977&set=a.103061243047644
- https://youtu.be/Kzmm2hn9yIk
- Barth, Karl, Church Dogmatics. II,1, pág. 356
- Conzelmann, Hans, Theological Dictionary of the New Testament. Gerhard Friedrich (ed.). Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Pub. 1974. Vol. IX, pg. 394
- A Doutrina da Graça nos Pais Apostólicos
- https://biblehub.com/greek/2014.htm
- Eliezer Oliveira, E Ele nos tornou Santos, pág. 26
- G.C Berkouwer, Faith and Sanctification (trad. J. Vriend; Grand Rapids: Eerdmans, 1952), pág. 64
- Ibid., pág. 93
- Ibid., p. 100
Baita texto! Meus parabéns, de verdade.
Muito obrigado irmã!