MENU
O que é a Teologia da Livre Graça? – Free Grace é Hiper Graça?
Desde que a Hiper Graça começou a se popularizar no meio cristão, pastores e líderes tem se levantando para confrontar essa “heresia”, esse “ensino moderno da graça”. Recentemente, um novo rótulo foi aplicado aos ensinamentos HG. Pastores e líderes estão chamando a Hiper Graça de Teologia da Livre Graça (Teologia Free Grace).
O Pr. Elizeu Rodrigues, em lives e vídeos do Youtube, tentou fazer a ligação entre o ensino HG e a Teologia da Livre Graça.1 Elizeu cita alguns teólogos – como Robert Sandeman (1718-1781) – e faz uma ligação automática e sem sentido com pregadores da Graça do Brasil. Na verdade, ele até cita pastores do Brasil que não se encaixam no ensino HG – Mesmo tendo alguns pontos de acordo. Outros internautas também fizerem vídeos, postagens e lives falando do ensino “hiper graça/free grace” como se fosse um só.
Essas conclusões só evidenciam a desonestidade ou a falta de entendimento dos críticos HG. Suas suposições carecem de fundamento e não se sustentam diante de uma análise simples.
O que é a Teologia da Livre Graça
Em 2018-2019, em meus estudos sobre a Hiper Graça, me deparei com a Teologia da Livre graça. Na época, minha mente explodiu com mais entendimento e conhecimento de pastores, líderes e ensinos da Graça. Vi alguns pontos de acordo entre o ensino HG e a Livre Graça. No entanto, vi outros pontos de discordância que separavam completamente os nossos ensinos.
A Livre Graça é um ensino soteriológico (a respeito da salvação) que nasce do dispensacionalismo clássico. Professores Free Grace defenderam que a salvação é somente pela fé, somente pela Graça. Mesmo que tal ponto seja um baluarte desde a reforma, na época em que Free Grace surgiu, havia muitas discussões a respeito dos conceitos de “fé”, e do processo de salvação. Aqui eu preciso ressaltar que existem críticas infundadas contra o ensino da Livre Graça (FG) – podemos ver o mesmo nos ataques contra a Hiper Graça.
Como por exemplo, o Pr. Elizeu associa erroneamente o ensino FG somente ao seminário Teológico de Dallas, e afirma que o ensino surgiu em um grupo “minoritário” de teólogos de Dallas. (Elizeu usa a mesma linguagem equivocada que o Wayne Grudem em seu livro Teologia da “livre graça”: 5 maneiras em que ela diminui o Evangelho) Elizeu também afirma que todos os proponentes FG defendem que a fé é um simples “assentimento mental” sobre os fatos – uma conclusão extremamente precipitada.
A descrição de Elizeu e de Grudem foi refutada pelo Teólogo Free Grace, o Dr. Charlie Bing. Bing afirma que existem duas “alas”, dois “movimentos” dentro da Livre Graça. Ele escreve:
O movimento moderno da graça livre pode ser dividido em duas alas. A primeira é a visão tradicional ou normativa da graça livre. Essa visão é, sem dúvida, defendida pela maioria dos defensores da graça livre. Embora possa não ter sido rotulado como graça livre na época, pode ser atribuída a um debate que ocorreu em 1918 entre Lewis Sperry Chafer e B. B. Warfield. Essa polêmica passou por vários refinamentos ao longo das décadas. No entanto, iniciou uma discussão que se desenvolveu na visão tradicional da graça gratuita como a conhecemos hoje. A segunda ala do movimento moderno da graça livre é uma visão minoritária que foi ensinado por Zane Hodges. Essa visão foi promovida por Robert Wilkin e pela Grace Evangelical Society. Ensina algumas visões aberrantes que são fortemente repudiadas por muitos no acampamento da graça.2
O movimento de Dallas começa com Zane Hodges. Mas os ensinos da Livre Graça se iniciam anos antes, com o dispensacionalista Lewis Chafer. Assim, a ala maior do ensino FG é diametralmente oposta – em vários pontos – a ala menor, que corresponde aos teólogos de Dallas, e teólogos modernos como Robert Wilkin.
Lewis Sperry Chafer publicou um livro intitulado O Homem Espiritual.3 O Teólogo reformado, B. B. Warfield, discordou das opiniões defendidas pelo Dr. Chafer em relação à salvação. Chafer ensinou que a salvação é somente pela fé. O único requisito para a salvação é crer em Jesus que morreu em nosso lugar. Chafer fundamentou seu ensino em seu compromisso com a Sola Fide – Somente a fé. Por exemplo, o Dr. Chafer escreveu:
Nas páginas anteriores também é apontado que o Novo Testamento declara diretamente e sem complicação em pelo menos 150 passagens que os homens são salvos com o único princípio da fé; e, neste contexto, foi demonstrado que não é uma questão de crer e arrepender-se [i.e. crer e arrepender-se são “dois lados da mesma moeda” por assim dizer], de crer e confessar a Cristo, de crer e ser batizado, de crer e entregar-se a Deus, de crer e confessar o pecado, ou de crer implorando a Deus por salvação, mas é crer somente. Tal crença está à parte das obras (Rm 4:5), é uma entrega de si mesmo a Cristo (2 Tm 1:12), e é uma virada definitiva [ou seja, arrependimento] – um ato da vontade – a Deus de todos as outras confianças (1 Tessalonicenses 1:9).4
Um desenvolvimento maior da livre graça aconteceu em 1959, quando Everett Harrison e John Stott realizaram um debate na revista Eternity. O debate teve como foco saber se uma pessoa poderia aceitar Jesus como Salvador, mas não como Senhor. Em outras palavras, uma pessoa tem que se comprometer em seguir Jesus como Senhor de sua vida para ser salva? Ela precisa se comprometer a Ele em obediência ao seu Senhorio? A posição de que uma pessoa deve aceitar Jesus como Senhor e Salvador no ponto da salvação ficou conhecida como o “Senhorio da Salvação”.
Na década de 1980, o debate sobre a graça gratuita foi trazido à tona quando o Dr. John MacArthur publicou seu livro “O Evangelho Segundo Jesus”,5 no qual defendia o Senhorio da Salvação. Em resposta, o Dr. Charles Ryrie publicou “So Great Salvation”.6 O foco da controvérsia se relacionava com os requisitos da salvação. A simples fé na morte substitutiva de Cristo é suficiente para salvar uma pessoa? Ou uma pessoa tem que se comprometer a abandonar todos os seus pecados para ser salva?
Assim, a Livre Graça foi defendida por teólogos respeitados como Lewis Chaffer, Everett Harrison, Charlie Ryrie e muitos outros. Esses teólogos defenderam que a salvação é somente pela fé, a parte das obras. A Graça é livre, e deve ser aceita sem aditivos (mudança de comportamento, mudança de conduta, remorso e etc). Para muitos dos proponentes FG, o arrependimento é uma “mudança de mente” (metanoia) – o mesmo ensino da Hiper Graça. Nomes como Charlie Ryrie, Lewis Chaffer e Charlei Bing defenderam ou defendem que o arrependimento é uma mudança de mentalidade.
Fé é somente assentimento mental?
O Pr. Elizeu e aqueles que seguiram suas críticas ao ensino FG/HG também cometem o equívoco de pensar que na Teologia Free Grace a fé é um mero assentimento mental. Existem teólogos FG que defendem esse ponto? Sim, sem dúvidas. No entanto, esses teólogos correspondem a “ala menor” do ensino FG.
O Dr. Bing comenta que esse é o típico comportamento dos críticos FG. Eles encontram um exemplo anormal no ensino FG e automaticamente associam esse exemplo a todo o grupo. Bing chama isso de “falácia do estereótipo”. E ele afirma que se trata de “fazer suposições sobre um grupo inteiro com base em uma amostra inadequada, atípica ou muito pequena.”7 – Não acontece o mesmo em relação aos ensinos HG?
Teólogos como Robert Wilkin defendem que a fé é um mero assentimento mental. Porém, a maioria dos líderes FG defende que a fé mais é do que isso. Para a ala maior a fé envolve mais que a parte intelectual da alma, envolve as emoções e a vontade. É a “confiança” e a “certeza” das coisas (Hebreus 11:1).
O Dr. Bing defende que a fé é a resposta humana – ou seja, receber – ao que Deus fez em Cristo. Ele escreve:
A simplicidade da fé para receber o dom da salvação persiste até as palavras finais da Bíblia: “E quem quiser, tome de graça da água da vida” (Ap 22:17).8
Embora envolva todas as partes da alma (pensamento, emoção e vontade) a fé não é uma operação divina onde o homem deixa emoções e vontades antigas de pecado e muda seus comportamentos para a salvação. Definir a fé de tal forma é cair da salvação pela graça – uma preocupação que gerou as discussões Free Grace mais antigas. A fé é uma resposta humana ao dom gratuito de Deus. É uma resposta não meritória.
Como J. Gresham Machen afirma: “Certamente, no fundo, a fé é, em certo sentido, uma coisa muito simples; significa simplesmente que, abandonando o esforço vão de ganhar o caminho para a presença de Deus, aceitamos o dom da salvação que Cristo oferece de forma tão plena e gratuita”.9 O comentário de Frederic Louis Godet sobre o conceito de fé em Paulo é explicativo:
“A fé, no sentido de Paulo, é algo extremamente simples, de modo que não prejudica em nada a gratuidade da salvação. Deus diz: eu te dou; o coração responde: eu aceito; assim é a fé.”10
Do mesmo modo, esse também é o ensino HG sobre a fé. Pregadores da Hiper Graça não defendem que a fé é um mero assentimento mental. Na verdade, esse é um ensino profundamente criticado no meio HG. Acreditamos que a fé envolve uma confiança, uma aceitação no que Deus fez em Cristo. Proponentes HG confrontam o “mero conhecimento” intelectual defendendo que precisamos ter revelação de Jesus e de sua obra – que se trata de um entendimento enraizado na alma; no pensamento, na emoção e na vontade. Por exemplo, o pastor Joseph Prince comenta sobre a diferença entre o conhecimento intelectual e a revelação do Evangelho:
Seu amor tem que ser experimentado em seu coração. O conhecimento intelectual — apenas saber intelectualmente que Deus o ama porque Ele ama a todos — não é suficiente. É quando você realmente encontra a pessoa de Jesus e Sua graça, e realmente sabe em seu coração que Ele o ama, que mudanças positivas e profundas começam a acontecer em sua vida.11
FG não é HG
Embora compartilhe de semelhanças em relação a salvação pela fé, ou ao arrependimento, a Teologia da Livre Graça não deve ser amalgamada com os ensinamentos da Hiper Graça. Ambos surgem a partir das mesmas preocupações em relação a doutrina da salvação, mas fornecem respostas diferentes em vários pontos.
O escritor e Teólogo Free Grace, Shawn Lazar, comenta que existem semelhanças entre FG e a Hiper Graça:
Existem muitas semelhanças entre Free Grace e hiper-graça. Ambos enfatizam a fé separada das obras, a segurança eterna e a certeza da salvação baseada no que Deus prometeu, não no que fazemos.12
Porém, ele é rápido em destacar que também existem muitas diferenças entre esses ensinos:
Há também muitas diferenças. O movimento da hipergraça nega doutrinas como a ira temporal de Deus, a disciplina temporal e a necessidade do perdão da comunhão. Por exemplo, de acordo com os mestres da hiper-graça, 1 João 1:9 é para incrédulos, não crentes, que já estão totalmente perdoados.13
Como proponente HG, posso dizer que Lazar está certo em relação ao ensino HG. Nós divergirmos da Free grace em relação a ensinos como: 1) A ira de Deus; 2) O castigo temporal; 3) A perda de comunhão; 4) A natureza do perdão que recebemos em Cristo; 5) O conceito da Nova Aliança e as suas implicações.
Além disso, o ensino HG não nasce do dispensacionalismo – embora pastores HG possam concordam com pontos dispensacionais. Ele surge a partir da Teologia Exchanged Life (Vida Trocada), de nomes como Watchman Nee, Andrew Murray, Oswald Chambers, Hudson Taylor etc., que defenderam a salvação não como uma mudança de comportamento, mas como uma troca de identidade – onde o nosso velho eu é destruído e agora temos uma nova natureza espiritual.
Embora existam pastores e líderes da Hiper Graça no Brasil – nomes como Mauricio Fragale, Aluízio Silva, Helder Jorge, Pio Carvalho, Seo Fernandes, Braz Calderaro etc., não existem teólogos ou lideres FG (não que eu conheça).
Assim, embora a Teologia da Free Grace seja uma opção melhor do que o legalismo e a religiosidade, não pode ser amalgamado com o ensino HG – que fornece respostas diferentes para várias questões. A união Teológica de ambos os ensinos é equivocada e precipitada. Nasce de uma confusão, da falta de conhecimento das bases reais de cada ensino.
Notas de Rodapé
- https://youtu.be/dv-Tn-hcvCI
- Charlie Bing, A history of Free Grace: Tracing The Controversy, pág. 3
- Lewis Sperry Chafer, He That Is Spiritual
- Lewis Sperry Chafer, Systematic Theology, 8 Vols., Vol. 3, pág. 392-393
- John MacArthur, O Evangelho segundo Jesus (Editora Fiel, 2018)
- Charles C. Ryrie, So Great Salvation: What It Means to Believe in Jesus Christ (Moody Publishers, 1997)
- Bing, pág. 3
- Charlie Bing, Lordship Salvation: A Biblical Evaluation and Response (2nd GraceLife Edition), pág. 61
- J. Gresham Machen, What Is Faith? (Grand Rapids: William B. Eerdmans Publishing Co., 1925), pág. 181.
- Frederic Louis Godet, Commentary on Romans (Grand Rapids: Kregel Publications, 1984), pág. 92
- https://www.josephprince.com/meditate-devo/more-than-a-conqueror
- https://faithalone.org/blog/michael-l-brown-on-once-saved-always-saved/
- Ibid
Parabens pela abordagem
Amém meu irmão, agradeço por ter lido!
Obrigado por ter lido irmão!