Hiper Graça: Uma Resposta ao vídeo de Abe Huber e Luciano Subirá

Em um podcast recente no Youtube, os pastores Abe Huber e Luciano Subirá discutem a respeito da “Hiper Graça”.1 No vídeo, eles afirmam que a pregação da Hiper Graça promove uma “liberação para pecar”. Os dois pastores procuram demarcar as diferenças substanciais entre o que eles defendem, e o que eles consideram ser uma mensagem equivocada e perigosa sobre a Graça.

Na descrição do vídeo existe o seguinte comentário:

Já ouviu falar sobre a Hiper Graça? Existem pessoas que tentam ampliar o poder da graça de Deus, distorcendo a Palavra e “liberando uma permissão pra pecar.”

Eu gostaria muito que esses dois respeitados e reconhecidos pastores pudessem citar alguma fonte, ou uma definição precisa do que seria a hiper graça. Afinal, de onde eles tiraram essas informações? Quais são as fontes? Poderiam citar livros ou quem sabe escritos dessa “Hiper Graça”? Quais são as fontes do pastor Luciano Subirá sobre a Hiper Graça?

Eu estou perguntando isso porque eu quero ser enfático: os dois pastores não possuem a mínima ideia do que estão criticando, do que de fato é a Hiper Graça. E pasmem! Existem diversos momentos em que Abe e Luciano Subirá estão defendendo exatamente o que os pregadores da Hiper Graça defendem! Isso é um tanto quanto cômico, pois muitos pregadores da Hiper Graça encontrariam poucas discordâncias nesse vídeo.

As verdades da Graça, que estão sendo cada vez mais proclamadas, são recebidas por alguns líderes como algo “novo”, ou uma “moda atual”. No entanto, parece que a moda é atacar uma mensagem, utilizando-se do rótulo Hiper Graça, para denegrir quaisquer mensagens a gosto do pregador e crítico. Abe e Luciano, infelizmente, se encontram juntos nessa onda contraproducente.

Portanto, nesse texto, gostaria de fornecer uma reposta bíblica, coerente e sistemática às críticas feitas nesse vídeo. Devido à extensão do vídeo e à complexidade e importância dos temas abordados, gostaria de fornecer uma resposta a três pontos específicos. Vou me focar nesses três pontos e, com eles, demonstrar que os dois pastores desconhecem o que estão criticando.

O que é Hiper graça

O que seria a “Hiper Graça”? Gostaria de demonstrar a origem do rótulo assim como o verdadeiro significado dele.

O rótulo surgiu nos EUA, pelo escritor e Dr. Michael Brown. Brown escreveu um livro chamado “Hyper-Grace: Exposing the Dangers of the Modern Grace Message”.2 Nesse Livro, o Dr. Brown argumenta que a mensagem da Graça conhecida como “hiper graça” é a pregação que enfatiza de modo excessivo a Graça, perdão completo sem confissão e outros princípios.

Logo depois que o Dr. Brown publicou o seu livro sobre a Hiper Graça, o Dr. Paul Ellis lançou o livro, “The Hyper‑Grace Gospel: A Response to Michael Brown”.3 No livro, o Dr. Ellis procura explicar as verdades que os pregadores da Hiper Graça pregam e ao mesmo tempo refutar os argumentos do Dr. Brown. Não muito tempo depois, DR. Silva também escreveu um livro intitulado “hyper-grace: the dangerous doctrine of a happy god”4 onde se posiciona contra as críticas do Dr. Brown e procura demonstrar que a Hiper Graça é a verdade do Evangelho.

Joseph Prince foi um dos pastores citados por Michael Brown como defensor e pregador da Hiper Graça. No entanto, recentemente, Prince e Brown se encontraram para um diálogo amigável e edificante. Nesse diálogo, Prince deixou claro suas perspectivas, e ambos perceberam que tinham poucas discordâncias e muitas concordâncias.

Depois de seu encontro com Prince, Brown escreveu lamentando que muitos o criticaram por conversar e interagir de forma amigável e amorosa com Prince. Muitos afirmaram que Brown estava se juntando a um herege. O Dr. Brown salientou que estava fazendo uma ponte com a mensagem da hiper graça. Na verdade, ele escreveu que sempre considerou os defensores da hiper graça como irmãos e irmãs, até mesmo quando escreveu seus livros de forma crítica:

Quando escrevi Hyper-Grace, enfatizei “que aqueles de quem estou discordando neste livro são irmãos e irmãs no Senhor – pelo menos, até onde sei – e com raras exceções, encontro muito em seus escritos e mensagens que emocionam minha alma e me abençoam profundamente…”5

Além disso, Brown deixou claro que quando escreveu o livro sobre a Hiper Graça, não utilizou o termo “graça falsificada”, isso porque não acredita que nós defendemos uma graça falsa:

O fato é que ele é um irmão (Joseph Prince), ele ama o Senhor, ele é um estudante sério da Palavra, ele se preocupa com os perdidos e realmente deseja enfrentar a graça falsificada. (Observe cuidadosamente que escolhi o termo “hipergraça” ao escrever meu livro em vez de “graça falsificada”, já que nunca acreditei que Joseph Prince ou a maioria dos líderes que critiquei em meu livro ensinavam “graça falsificada”. Também escolhi o termo porque alguns daqueles que identifiquei como pregadores da hiper-graça abraçaram o termo, dizendo: “Sim, a graça de Deus é hiper!”). 6

Gostaria muito que Abe Huber e Luciano Subirá soubessem disso antes de produzirem um vídeo de 30 minutos, com o título “Hiper Graça”, fazendo diversas afirmações idênticas às que os pregadores da Hiper Graça defendem. 

Nem todos os pregadores da Graça gostam do rótulo “hiper graça”, isso porque o termo caiu no modo pejorativo, carregado de conceitos equivocados e interpretações falaciosas criadas pelos críticos.

Abe Huber e Luciano Subirá parecem sugerir que os pregadores da Hiper Graça estendem a Graça além de sua real definição. Na verdade, nós colocamos a Graça em sua posição real e verdadeira, a partir de Cristo e sua Obra.

Luciano Subirá e a definição de Graça

Luciano Subirá começa afirmando o texto de Judas 4 sobre homens que “converteram a graça” de Deus em “licenciosidade”. Para ele, esse é um texto referência aos pregadores da hiper graça. Ele pressupõe que a hiper graça transforma a graça em licenciosidade.

Porém, ele ignora a próxima afirmação do texto que diz, “e negam o único Senhor Deus e Senhor Jesus Cristo”. Os pregadores da Hiper graça negam a Jesus? Eu acredito que esses pregadores são os mais focados e centrados em Jesus.

Mais à frente, ele cita o famoso teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer sobre a “graça barata” e logo depois define a graça como um “remédio” para o pecado. O problema é que as definições de Graça do Luciano não partem de Jesus, algo que Dietrich rejeitaria completamente. Dietrich foi um grande defensor da Graça centrada e entrelaçada em Jesus. O teólogo Jeff Mc Swain escreve:

 “Para Bonhoeffer [em seu livro, The Cost of Discipleship], a graça é sobre o ‘Sim’ incondicional de Deus na pessoa de Jesus Cristo, Seu chamado para que nos comprometamos com ele [como discípulos] está embrulhado em seu compromisso conosco. Todo o nosso esforço está dentro do contexto de nossa pertença, uma reminiscência do comentário de Paulo, ‘Prossigo para torná-lo meu porque Cristo Jesus me fez seu’. … Quando Cristo chama uma pessoa para obedecer, significa tirar o jugo pesado e colocar o leve. Discipulado não é uma luta pelo poder, mas sim uma relação de amor … Para Bonhoeffer, a motivação para seguir e a capacitação para obedecer derivam da alegria da graça …” 7

Junto com Karl Barth e T.F Torrance, Bonhoeffer foi um grande defensor da Teologia Trinitária e Graciosa centrada em Cristo. Bonhoeffer nunca teria interpretado a Graça longe da pessoalidade de Jesus. Na verdade, Bonhoeffer está mais próximo da “Hiper Graça” em diversos aspectos do que daqueles que costumam citá-lo para criticar essa mensagem.

Luciano define a Graça como um “remédio” e tira dela seus aspectos cristocêntricos e pessoais. Kerry Magruder vai afirmar que essa posição do Luciano é uma “abstração da Graça”, ele vai dizer que: “Não podemos entender a graça considerando-a em abstração à parte da pessoa de Cristoo Dom e o Doador são o mesmo”.8 Jeff concorda afirmando: “Para Barth, Bonhoeffer e os Torrances, a graça não é uma verdade abstrata; é a própria realidade.” 9

Em certo momento do vídeo, Abe Huber faz um comentário excepcional, ele afirma, “será que aquela mulher adúltera voltou a pecar? A Graça que veio sobre ela, o eu não te condeno, a capacitou para fazer a segunda parte – vá e não peques mais”.

Pregadores como Joseph Prince, Mauricio Fragale e outros citam esse exemplo inúmeras vezes em suas ministrações.

Eu acrescento mais, eu acredito que a última afirmação de Jesus, “vá e não peques mais” não foi uma mera afirmação imperativa ou um comando moral, mas um indicativo, foi uma Palavra de Deus, e essa Palavra não volta vazia, mas realiza aquilo que foi ordenado (Isaías 55:10-13). O que Jesus estava dizendo é, “agora que você recebeu a não condenação, você me recebeu. Você vai ir e não pecará mais”.

Luciano Subirá parece supor que os pregadores da Hiper Graça defendem que a Graça é algo estacionado no tempo passado, algo relacionado apenas ao perdão e à justificação forense. A verdade é que os proponentes da Hiper Graça entendem que a Graça não é uma obra de um evento, nem um “remédio”, mas a própria pessoa de Cristo.

Mauricio Fragale, pastor da Nova igreja, afirma que a Graça é o próprio Cristo. Ele escreve que “Jesus é o nosso favor imerecido” 10 e “a Graça se tornou alguém, um ser, Jesus” 11 Joseph Prince também defende a pessoalidade da Graça: “A graça é pessoal e veio como uma pessoa — a Pessoa de Jesus Cristo”. 12 O pastor Helder Jorge, da Igreja no Cinema, também concorda com essa verdade. 13 Apóstolo Braz Calderaro, da Igreja MIAM em Manaus, defende que a “Graça não é uma coisa, mas uma pessoa, Jesus.” 14

Em João 1:17 lemos que a Graça “veio” (uma descrição pessoal), em Tito 2:11 Paulo afirma que a Graça “se manifestou” (apareceu). Quem se manifestou? O próprio Cristo. Ainda em Tito 2:11 Paulo dá mais duas características pessoais e cristocêntricas à Graça: A) Salvação: “graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens.”; B) Ensinamento: “Ela nos ensina a renunciar à impiedade e às paixões mundanas e a viver de maneira sensata, justa e piedosa nesta era presente”.

O que nos ensina a viver de forma correta? Uma pregação moral sobre obras mortas? A Lei ou uma pregação sobre a Ira de Deus? Não! É a Graça, é Cristo em sua presença.

O teólogo suíço do século XX, Karl Barth, enfatizou as características essenciais e cristocêntricas da graça de Deus, talvez mais do que qualquer outro.

“… a graça não é meramente um dom de Deus que Ele pode dar ou não, ou um atributo que pode ser imputado a Ele ou não ser imputado. Não, a graça é a própria essência do ser de Deus. … O próprio Deus está nisso. Ele revela Sua própria essência neste fluir da graça … nesta ação Ele se interpõe nada menos e nada menos que Ele mesmo por nós … Nesta ação Ele se manifesta em toda a majestade de Sua ser … Se encontrarmos, reconhecermos e recebermos Sua graça, encontraremos, reconheceremos e receberemos nada menos e nada menos que Ele mesmo.” 15

O teólogo Hans Conzelmann expressa que a “Graça está corporificada em Cristo.” 16 Da mesma forma, o renomado teólogo escocês T.F Torrance afirmou que:

Paulo pensa na graça agindo dinamicamente sobre os homens. É Cristo agindo em pessoa. “Charis” (Graça) nunca é adjetivo nos lábios de Paulo, mas sempre dinâmica. Graça é o Cristo transcendente em movimento gracioso, perdoador e capacitador. 17

Para os proponentes da Hiper graça, a Graça não está estacionada em um evento da justificação, no perdão de pecados. Ela é ativa, dinâmica. Graça é o próprio Cristo, é uma Pessoa, é tudo o que há em Cristo, em seu ser e presença. O homem é receptivo, o homem vive pela “fé no filho de Deus” (Gálatas 2:20) vive pela fé no Espírito (Gálatas 3:2), vive pela fé como justo (Romanos 1:16). É exatamente isso que Abe Huber afirma em certo momento do vídeo. Através da fé no Evangelho, na medida em que “renovamos a mente” (Romanos 12:2), que crescemos no “conhecimento, revelação e entendimento” de Cristo e sua Obra (Efésios 1:17-18), Ele se manifesta em nossas ações e comportamentos.

Logo, a Graça não é uma coisa, não é um agente de Deus, uma substância que flui de seu ser, uma doutrina ou um remédio. A Graça é o ser de Deus em Cristo, é a própria pessoa de Jesus. É simplesmente isso que defendemos.

Lei na Nova Aliança e Luciano Subirá em Hebreus 10

Outra questão levantada no vídeo é sobre a relação entre Lei e Graça. Luciano cita o texto de Romanos 8:4 que diz:

A fim de que as justas exigências da lei fossem plenamente satisfeitas em nós, que não vivemos segundo a carne, mas segundo o Espírito.

Luciano defende que a Lei foi “removida para que as exigências fossem satisfeitas em nós”. Parece (e aqui quero lhe dar o benefício da dúvida) que para ele, Paulo está afirmando que devemos cumprir a Lei. O problema de tal interpretação é que Paulo não está afirmando que as justas exigências da Lei devem ser cumpridas por nós, mas em nós.

O cumpridor da Lei, como Subirá aponta, é Cristo. A lei é cumprida em nós porque Cristo, o cumpridor pleno da Lei, está em nós. Por isso, quando cremos em Cristo recebemos Aquele que é a justiça de Deus, que se manifestou “sem a Lei” (Romanos 3:21). Fomos justificados porque a Justiça de Deus, que Cristo cumpriu plenamente na Lei, é inserida dentro de nós, através do mesmo Cristo (Romanos 3:24).

Logo depois, Subirá afirma que muitos pregadores “atuais” utilizam Romanos 10:4 para dizer que não “existe mais Lei”. Como ele sabe disso? Quais são as referências das suas afirmações? Nenhum pregador da Hiper graça utiliza esse verso para dizer que não há mais Lei.

Na verdade, Romanos 10:4 é utilizado no contexto de que a Lei Mosaica, em seus moldes e formatos, não vigora mais na Nova Aliança, e que nessa Nova aliança, uma Nova Lei foi estabelecida.

Os dois pastores afirmam que existe “Lei na Nova Aliança”, e citam a “Lei da Liberdade”, a Lei de Cristo e etc. Os pregadores da Hiper Graça concordam com todas essas afirmações.

Joseph Prince afirma a Lei “escrita em nossos corações”, 18 Victor Azevedo afirma que a Lei na Nova Aliança se trata dos indicativos da nossa identidade e realidade em Cristo. 19 Aluízio Silva defende “Os mandamentos do novo testamento”. Helder defende a realidade do amor de Deus através de nós como nossa Lei em Cristo. 20 Braz afirma a Lei da fé, da Nova Aliança, de Cristo. 21 O pastor Herso Meus também declara que na Nova Aliança temos a Lei de Cristo, de “carregar os fardos uns dos outros”. 22

Nenhum pregador ou pastor da “hiper graça” defende a inexistência de uma Lei na Nova Aliança. A diferença crucial é que a Lei na Nova Aliança se trata de imperativos (comandos) partindo de indicativos (declarações de quem somos e do que temos em Cristo).

Em um certo momento Luciano afirma, “eu olho alguns pregadores modernos, e parece que do jeito que eles estão falando, Deus tivesse mudado. Que o Deus do Velho Testamento era ruim e o Deus do Novo testamento se converteu e ficou bom”. Ele ainda acrescenta, “um dos primeiros atributos de Deus que a gente estuda na teologia é imutabilidade”.

Em outro podcast, no canal do Jesus Copy, Luciano afirma que “existia um juízo na Lei, mas na Graça existe um juízo maior”. 23 Não estaria Luciano, entrando em contradição? Deus mudou o formato de seu juízo e a profundidade do mesmo? Onde está o “atributo da imutabilidade” defendido por Luciano? Se o juízo de Deus é maior no NT, como não chegar à conclusão lógica de que Deus mudou?

Nenhum pastor ou proponente da Hiper Graça faz afirmações como essas feitas por Luciano Subirá. Na verdade, muitos pregadores da Hiper Graça afirmam que Deus sempre foi o “Deus de toda a Graça” (1 Pedro 5:10), mas foi o homem que decidiu viver um relacionamento com Deus a partir do esforço próprio. Por isso, a Lei foi dada, para quebrar o senso de Justiça própria do homem e demonstrar a completa suficiência de Cristo.

Deus não mudou do AT para o NT, mas como aponta Mauricio Fragale, “a maneira de o homem se relacionar com Deus que mudou”. 24 No AT o homem decidiu se relacionar com Deus através das categorias e comandos da Lei. No entanto, Deus sempre manifestou ser um Deus de Graça.

Da mesma forma, o AT não trazia a representação exata do ser de Deus. Porém, em Cristo, temos a “imagem exata do ser de Deus” (Hebreus 1:3), Paulo concorda afirmando que Jesus é a imagem do “Deus invisível” (Colossenses 1:15), e que Ele é a “imagem de Deus” (2 Coríntios 4:4). Sabemos que em Jesus “habita toda a plenitude da divindade” (Colossenses 2:9), nEle estava a “plenitude” (João 1:16). Jesus é a Revelação de Deus; seus atos e ser revelam com exatidão o ser de Deus.

Luciano Subirá cita as passagens de Hebreus 6 e Hebreus 10 na tentativa de criar um argumento contra a mensagem da Hiper Graça. O que ele desconsidera, em toda a sua argumentação, é que hebreus é um dos livros mais sólidos em nossa perspectiva, justamente porque traz fundamentos cruciais da suficiência de Cristo e de sua Obra. Desse modo, Luciano se atém a dois versos isolados, enquanto isso nós temos o panorama contextual de toda a carta.

Muitas coisas poderiam ser ditas sobre ambos os textos. Para não cometer os mesmos equívocos que Luciano, vou me ater a um texto no momento e interpretá-lo à luz do contexto de Hebreus.

Em Hebreus 10:26 e nos versos posteriores, o autor de Hebreus alerta seus leitores a respeito do “pecado intencional”. O teólogo FF Bruce está correto em sua observação de que, “esta passagem (26-29) estava destinada a ter repercussões na história cristã além do que nosso autor poderia ter previsto”. 25

Luciano, interpreta esse pecado como “pessoas que vivem no pecado”. O que é obviamente uma inferência ao texto. Vamos analisar o que realmente o autor de Hebreus gostaria de nos comunicar.

A carta de hebreus foi escrita para quem? Surpresa … hebreus! Esse conceito chave, não apresentado por Luciano, nos possibilita entender essa e outras passagens polêmicas.

Desde o início de Hebreus, o autor trabalha a superioridade e suficiência de Cristo. Ele declara Cristo como a expressão exata de Deus (1:3), superior aos anjos e poderes celestiais (1:6-14; 2:2- 9), maior que Moisés (3:1-6) – um simbolismo que afirma que Cristo é extremamente superior à Lei -, superior a todas as obras e trabalhos (4:4-13) e o maior Sumo Sacerdote, ou seja, maior que todo o sistema sacerdotal do AT (4:14-15; 5).

Na carta, nos próximos capítulos, o autor de Hebreus contrasta a superioridade de Cristo sobre o sacerdócio levítico (7), a superioridade de Cristo e da Nova Aliança sobre a Antiga (8-9). O autor também destaca que “um novo pacto surgiu, e tornou o primeiro velho” (Hebreus 8:13). Da mesma forma, ele destaca que o Novo testamento está baseado no sangue de Jesus, “porque onde há testamento é necessário que intervenha a morte do testador” (Hebreus 9:16).

Depois de finalizar essas declarações da grandeza de Cristo, o autor começa o capítulo 10 mostrando a insuficiência do antigo convênio em perdoar pecados (v.1-4), e que apenas no sangue de Cristo somos aperfeiçoados e santificados (v.10-14). Logo depois, o autor afirma que Deus se esqueceu dos nossos pecados, “e de seus pecados e iniquidades não mais me lembrarei” (v.17) algo que também é afirmado em hebreus 8:12. Agora, se Deus se esqueceu dos nossos pecados porque o autor de Hebreus iria afirmar logo depois que Deus se lembraria desses mesmos pecados se “pecássemos deliberadamente”? Não estaria o autor entrando em contradição?

Claramente não é essa a intenção do autor, mas o oposto. Nos versos 21-23 o autor destaca e reforça que devemos permanecer na fé, permanecer com a consciência sem culpa e condenação, permanecer nas realidades que ele vem descrevendo desde o capítulo 1. Depois disso, no verso 26, ele introduz a afirmação “se pecarmos deliberadamente”. Qual é o pecado mencionado pelo autor? Se trata justamente de rejeitar todas as verdades anteriormente descritas, algo que os hebreus estavam próximos de realizar.

O teólogo Randall C. Gleason explica:

Seu retorno (Hebreus) silencioso aos sacrifícios do templo foi o suficiente para sugerir aos seus companheiros judeus que a crucificação não fornecia mais a purificação de seus pecados. Embora seu retiro de volta ao Judaísmo foi destinado a ser privado, traria desgraça pública sobre Cristo, diminuindo o significado de sua morte sacrificial. (Meu acréscimo) 26

O Dr. Jim Fowler concorda comentando:

O contexto histórico e textual das palavras de Paulo indicam que por “pecar deliberadamente”, ele está se referindo ao pecado específico e definido (ou padrão dele) de rejeitar e negar deliberadamente a pessoa e a obra de Jesus Cristo. Alguns dos cristãos hebreus em Jerusalém estavam a ponto de repudiar e renunciar definitivamente à eficácia da vida e da morte de Jesus; de negar e repudiar que Jesus era o Messias e Salvador de Deus; e de considerar Jesus sem valor. 27

A escritora Jessica Steffen afirma:

O livro de hebreus foi escrito para os Hebreus ou o povo judeu (que incluía os cristãos e não cristãos). Hebreus 10:26 está se dirigindo a judeus não cristãos que ouviram a pregação sobre Jesus mas ainda iam ao templo oferecer sacrifícios. Isso era um insulto, isso era rejeitar a obra da cruz. Então, claramente “pecar voluntariamente” é cometer um pecado específico. O pecado de saber quem Jesus é, conhecer essa verdade e rejeitá-la. 28

Ao se voltarem para os sacrifícios, “não resta mais sacrifícios pelo pecado” (v.26), isso justamente porque o único sacrifício pelo pecado, que tomou todos os pecados da humanidade, foi o sacrifício de Cristo. Em linhas gerais, quando misturamos Lei com graça, quando diminuímos o sacrifício de Cristo, estamos próximos de cometer o pecado deliberado. Tal ato, representa rejeitar Cristo como suficiente, algo que os pregadores da Hiper Graça estão bem longe de fazê-lo.

Conclusão

Diversas outras questões poderiam ser abordadas sobre o vídeo de Abe Huber e Luciano Subirá a respeito da Hiper graça. No entanto, por meio desse texto, decidi demonstrar que: A) Ambos os pastores desconhecem o que realmente é a Hiper graça; B) O termo Hiper Graça foi utilizado em um sentido pelo Dr. Brown e erroneamente distorcido por outros críticos da Graça; C) A Graça não é um remédio (Como Luciano Subirá sugere), uma coisa ou uma parte de Deus, mas o próprio Cristo; D) Os defensores da Hiper graça creem na existência de Lei na nova Aliança, mas que tal Lei difere substancialmente da Lei Mosaica em diversos sentidos; E) As passagens de Hebreus, relacionadas aos avisos do autor, devem ser devidamente avaliadas, à luz do contexto amplo da carta, que se refere à rejeição do sacrifício vicário de Cristo.

Luciano Subirá e Abe Huber não estão sozinhos nessa onda de desinformação sobre a Hiper graça. Na verdade, muitos pastores e líderes criticam a “hiper graça” sem se quer saberem dos reais fundamentos dessa mensagem. Nesse texto, decidi mostrar, com sólida base bíblica e referências, o que realmente defendemos.

Notas de Rodapé

  1. https://youtu.be/z-uUSfqF-ic
  2. https://www.amazon.com.br/dp/B00E78FTKW/ref=dp-kindleredirect?_encoding=UTF8&btkr=1
  3. https://www.amazon.com.br/dp/B00JEX7O8A/ref=dp-kindleredirect?_encoding=UTF8&btkr=1
  4. https://www.amazon.com.br/Hyper-Grace-Dangerous-DoctrineHappy-English-ebook/dp/B00I1TLZUQ
  5. https://blackchristiannews.com/2017/01/joseph-prince-and-michael-brown-bridge-building-or-compromising-with-heresy/
  6. Ibid
  7. Veja Movements of Grace
  8. https://kerrysloft.com/theology/jeff-mcswain-movements-of-grace/
  9. https://www.jeffmcswain.org/movements-of-grace-1
  10. Vivendo na Graça Super-Abundante, Capítulo 1
  11. Ibid., pg. 38
  12. Destinados a Reinar., pg. 22
  13. https://www.facebook.com/photo/?fbid=4585634131456977&set=a.103061243047644
  14. https://youtu.be/Kzmm2hn9yIk
  15. Barth, Karl, Church Dogmatics. II,1,pg. 356
  16. Conzelmann, Hans, Theological Dictionary of the New Testament. Gerhard Friedrich (ed.). Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Pub. 1974. Vol. IX, pg. 394
  17. A Doutrina da Graça nos Pais Apostólicos
  18. https://youtu.be/zekIvo6TEU8
  19. https://youtu.be/qcesUa91T_o
  20. https://vidatrocada.com/podcast-com-o-pr-helder-jorge/
  21. Tivemos uma conversa recente sobre isso.
  22. https://www.facebook.com/hersomeus
  23. https://youtu.be/p74-23n_17o
  24. https://vidatrocada.com/podcast-com-pr-mauricio-fragale-evangelho-da-graca-e-a-igreja/
  25. Bruce, F.F., Commentary on the Epistle to the Hebrews. Series: The New International Commentary on the New Testament. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Co.,1992. pg. 258
  26. Four Views on the Warning Passages in Hebrews., pg. 135-136
  27. http://www.christinyou.net/pages/hebrews11.html
  28. Interpretando a Escritura 25 Versículos sobre Questões Controversas., pg. 36-37

Eliezer Oliveira
Eliezer Oliveira

Tenho 25 anos e sou diretor do Blog Vida Trocada, autor dos livros E Ele nos tornou Santos, Nada Além do Sangue (Livro Publicado) e Hiper Graça: O Que Realmente Defendemos (Livro Publicado). Também sou coautor do livro Interpretando a Escritura. Sou professor do curso Universidade da Graça, Vida na Graça e Teologia com Graça, e também atuo como Escritor Fantasma para alguns ministérios. Atualmente estou cursando Teologia (ESTÁCIO), sou casado com uma escritora maravilhosa, amante da leitura e de um bom café.

Um comentário

  1. Excelente exposição e fundamentação bíblica e teológica.
    Acredito que os ataques ao ensino da graça são semelhantes aos legalistas judeus qdo o Ap Paulo defendia o evangelho em Romanos 6:1-2: Que diremos pois? Permaneceremos no pecado, para que a graça abunde? De modo nenhum. Nós, que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda nele?
    Eu creio que esses irmãos sinceros e preciosos defendem esse ponto de vista porque não tem a segurança da salvação, que é pelo mérito humano andar em santidade e não pela graça de Deus (o próprio Cristo em nós). O ap Paulo ainda afirma que a lei “esforço humano” é a força do pecado (I Cor 15:56,57) e o propósito da graça é exatamente o oposto: o pecado não terá domínio sobre vós pois não estais debaixo da lei e sim da graça (Rm 6:14).

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