As Línguas são Evidência do Batismo com Espírito Santo?

Entre o final do séc. 19 e início do séc. 20, ocorreu a expansão de um movimento nas igrejas Wesleyanas (Metodista). O movimento de santidade – como ficou conhecido – defendia que cada cristão deveria buscar uma segunda bênção depois de sua salvação. Esse evento seria uma “santificação total” que preparava o cristão para viver de forma santa. Ao passar dos anos o movimento tomou outras formas, através das experiências de línguas, curas e êxtases. Foi através dessa transformação que nasceu o pentecostalismo.  Os pentecostais defenderam que após a salvação, deveríamos buscar diligentemente o batismo com Espírito Santo, que seria uma segunda bênção, não ligada a regeneração. Essa segunda benção teria as línguas como evidência do batismo com Espírito Santo.

A perspectiva da segunda bênção juntamente com a crença de que as línguas são evidência do batismo com Espírito Santo, moldou grande parte da teologia cristã dos séculos 19-20, trazendo uma busca contínua por movimentos, avivamentos e experiências pessoais. Sem perceber, os movimentos de segunda bênção minaram a suficiência de Jesus e desunificaram Cristo da Terceira Pessoa da Trindade.

Cristo é suficiente

Quando cremos em Jesus somos salvos. A pergunta certa a ser feita aqui é: o que é salvação? Muitos compreendem que somos salvos do fogo do inferno. Salvação seria uma espécie de escape do tormento eterno. É somente isso?

A palavra salvação no grego é soteria, e descreve diversos atos redentores: cura, proteção, paz, restauração, libertação de males temporais e etc. A completude dessa palavra demonstra que salvação vai além da mera fuga das chamas do tormento, ser salvo é possuir plenitude e suficiência em todas as áreas; é ter salvação em todas as áreas. Somos levados a uma relação direta com Deus, e passamos a usufruir de toda plenitude espiritual em Cristo. Tudo isso é realizado em Cristo.

Quando cremos em Jesus recebemos nada mais e nada menos do que a própria Vida de Cristo. Ele disse que essa vida é abundante, e oposta à morte, ao roubo e destruição (João 10:10). Ou seja, é uma vida eterna, inteira e suficiente. Recebemos o próprio Cristo quando cremos em sua obra no Calvário. Se possuímos Cristo, estamos completos.

Precisamos de uma segunda bênção para obter algum acréscimo espiritual que nos faltou no momento em que recebemos a Vida de Cristo? Precisamos de uma “batismo com Espírito Santo”, com evidência de línguas, para recebermos algo a mais de Deus? A Escritura vai dizer que não. O cristão é “completo em Cristo” (Colossenses 2:9-10), “todas as coisas foram feitas novas” (2 Coríntios 5:17). Temos “todas as bênçãos espirituais em Cristo” (Efésios 1:3). Da plenitude de Cristo todos nós recebemos (João 1:16), temos “tudo o que pertence à vida e piedade” (2 Pedro 1:3). Visto que “todas as coisas espirituais nos pertencem em Cristo” (1 Coríntios 3:21,21), sugerir que o cristão precisa de algo a mais é sugerir que Jesus não é suficiente.

O movimento holiness (santidade) defendeu que era necessário buscar uma segunda experiência para realizar a prática da santidade. A primeira bênção seria a salvação (justificação), e a segunda bênção seria a “santificação”. O salvo deveria dar um passo além da justificação e buscar diligentemente, com muito esforço, receber a segunda bênção. O pentecostalismo, da mesma forma, anunciou que cada cristão deveria, após a salvação, buscar uma segunda experiência que o levaria a obter a plenitude de poder e virtude espiritual com o fim de prepará-lo para a vida cristã. A perspectiva da segunda bênção evoca a crença de que na primeira bênção recebemos apenas uma coisa: perdão de pecados. Obviamente, como percebemos, o termo salvação remete à uma obra completa e inteira. A salvação é a dádiva de receber, não apenas um presente de Deus doado à parte de si mesmo, mas de receber o próprio Cristo, o próprio doador. A pergunta certa então seria: Depois de receber o próprio doador, eu preciso de mais alguma coisa? Algo que Ele em si mesmo, não tenha?

Na carta aos Colossenses, Paulo afirma que estamos completos em Cristo (2:9-10). Antes disso, ele diz que “como recebestes o Senhor Jesus Cristo, assim andai nele” (vv. 6). 1)Perceba que Paulo declara que os seus leitores receberam a Cristo. Eles não receberam um elemento de Cristo, mas o Próprio. 2) Paulo não pede para seus leitores que, depois de receberem a Jesus, busquem uma segunda experiência, ou mais de Cristo. Ele exorta os colossenses para andarem naquilo que já receberam: Cristo. Os colossenses já tinham todos os dons, frutos e qualidades do Ser de Deus porque possuíam Jesus. Agora, deveriam manifestar tudo isso, ou seja, andar.

Falando à Igreja de Filipos, Paulo pede aos seus leitores para “operarem a sua salvação” (Filipenses 2:12). Paulo não pede para buscarem uma segunda experiência, mas para manifestarem a salvação (soteria) completa – envolvendo todas as áreas de suas vidas – que já receberam em Cristo. Na carta aos Efésios, Paulo começa os dois primeiros capítulos destacando todas as verdades e realidades a respeito da nossa identidade em Cristo do momento em que o recebemos. Os três últimos capítulos são usados por Paulo para exortar os efésios a viverem a vida prática daquilo que já receberam, ou seja, eles poderiam viver a vida cristã completa pois tinha uma identidade completa em Cristo.

Da mesma forma, Pedro não pede aos seus leitores cristãos para “buscarem uma segunda experiência”, ou para “buscarem o batismo com Espírito Santo com evidência de línguas”, mas para crescerem na “graça e conhecimento do Senhor Jesus” (2 Pedro 3:18). O crescimento na vida cristã nunca é o crescimento em uma segunda experiência, mas no conhecimento da graça, de Cristo, daquilo que já recebemos.

Jesus disse à mulher samaritana (João 4) que a água que Ele desse a ela, mataria completamente a sua sede. Jesus destaca que em apenas um ato de fé – ao beber dEle – ela nunca mais teria sede (seria completa). O próximo passo dessa mulher não seria buscar uma segunda água, mas “jorrar” todo o oceano que estava dentro dela, ou seja manifestar a plenitude que já recebeu.

O Teólogo Jim Folwer comentou sobre isso:

“Tudo o que Deus dá ao cristão está em Cristo Jesus. Deus não tem nada mais para dar do que Jesus! Tudo o que é legitimamente chamado de “cristão” ou “espiritual” é o Ser de Cristo em ação! É por isso que podemos dizer que “Cristianismo é Cristo”.  Cada expressão cristã é nossa em virtude de ser en Christo , e expressa por meio de sua capacitação dinâmica, ek Christo. Todas as expressões comportamentais de santificação e todas as expressões ministeriais de serviço cristão derivam da ação do próprio Ser de Cristo no cristão.”

Possuímos a plenitude de Cristo; dentro de nós estão todos os dons, frutos e qualidades de Cristo. Agora, precisamos “jorrar” tudo para fora, manifestar tudo que já temos.

Batismo com Espírito Santo e o Espírito Santo

Quando cremos em Jesus recebemos o Espírito Santo dentro de nós (Romanos 8:15). Receber a Jesus é receber a completa Trindade. As três pessoas da Trindade estão dentro de cada salvo.

Os pentecostais irão afirmar que acreditam ter o Espírito Santo, mas que o batismo se trata de receber uma apropriação de poder e virtude que não são conferidas quando temos o Espírito Santo dentro de nós. As Línguas, além de serem uma evidência do batismo com Espírito Santo, também são capacitações para que o crente realize a manifestação do caráter de Cristo. Isso é, claramente, um equívoco grande a respeito da natureza de nossa relação com o Espírito. Todo salvo possui o Espírito dentro de si. Imagine que você tenha o padeiro e a padaria dentro de você, não seria estranho se você estivesse procurando loucamente por um pão se você tem tudo à sua disposição? Por que você precisa de apenas um pão se o padeiro e a padaria estão dentro de você? Qual o próximo passo? Experimentar tudo que já está dentro de você. Não precisamos buscar um poder espiritual a mais porque já temos o próprio dono de todos os poderes espirituais morando em nosso espírito.

Paulo demonstra a realidade da nossa relação com o Espírito Santo:

“O que se ajunta com o Senhor é um só espírito…não sabeis que sois templos do Espírito Santo?” (1 Coríntios 6:7-18)

O nosso espírito se uniu ao Espírito de Deus de tal forma que se tornou um com Ele. Nessa união, usufruímos de toda a essência do Espírito. Se nosso espírito está ligado completamente ao Espírito de Deus, existe algo o qual não podemos usufruir da essência dEle? Pedro afirma que somos “participantes da natureza divina” (2 Pedro 1:4). Participamos e compartilhamos de todas as qualidades, poderes, línguas e charismas – dons – do Espírito. Não recebemos apenas uma parte do Espírito, mas o Espírito.

A teologia da segunda bênção cria uma definição inconsistente a respeito da santíssima Trindade. Ela defende que existem poderes dados pelo Espírito à parte de Cristo e da própria Pessoa do Espírito. Falando a respeito do desapego entre graça e Cristo, eu trabalho essa inconsistência no livro Nada Além do Sangue:

“O Espírito Santo é o Espírito de Cristo (Romanos 8:9). A separação de Cristo e do Espírito cria uma teologia Trinitária deficiente e leva a um entendimento distorcido da graça.”

Mas Eliezer, a Bíblia faz uma distinção entre ter o Espírito Santo em mim e ter Ele sobre mim (João 20:22 – Atos 1:8). O que você me diz sobre isso?

Perceba que no texto de João 20:22 Jesus assopra sobre eles. Ou seja, os textos em menção sequer fazem tal distinção. Quando o Espírito Santo foi prometido para descer? Jesus respondeu isso em João 16:7, “convém que eu vá; porque se eu não for, o Consolador não virá a vós.” O Espírito só desceria quando Jesus subisse. Em João 20:22 Jesus está descrevendo e profetizando as realidades que se sucederiam. No mesmo texto Ele diz que enviou os seus discípulos (21), mas em Lucas 24:29 Ele pede para que fiquem em Jerusalém até do que do alto sejam revestidos de poder. O texto de João é uma descrição daquilo que se sucederia após a salvação dos discípulos.

Outro detalhe é a relação do Espírito Santo na Antiga Aliança. Em diversos textos vemos que o Espírito de Deus veio sobre pessoas no AT para lideraram (Juízes 3:10, 6:34, 11:29),  reinarem (1 Samuel 10:6, 16:13-14) e para profetizarem (Números 24:2; 2 Samuel 23:2; Isaías 48:16). Se o batismo com Espírito Santo é receber capacitações e poderes do Espírito, então tais pessoas do AT eram batizadas? Se ser batizado é ter o Espírito sobre mim, logo essas pessoas eram batizadas? Se sim, então por que João descreveria o batismo com Espírito Santo como um realização de Deus apenas na Nova Aliança em Cristo? Perceba que nenhum deles falou em línguas, então como as línguas seriam evidência do batismo com Espírito Santo?

O batismo com Espírito Santo é algo apenas para a Nova Aliança porque ninguém no AT teve o Espírito dentro de si, ninguém usufruiu da plenitude do Espírito, ou seja, ninguém foi batizado no Espírito.

Por último, se eu tenho o Espírito dentro de mim por que preciso dEle sobre mim? Qual a necessidade se Ele habita totalmente em mim? Nessa habitação, eu posso desfrutar e manifestar de toda a sua essência.

E quanto aos eventos de batismo com Espírito Santo no livro de atos? Todos pareciam ser segundas experiências, todas tinham línguas.

Em seu sermão no Pentecostes, Pedro não descreve a vinda do Espírito como uma segunda coisa que os crentes deveriam buscar. Pelo contrário, ele explica aos não-crentes que este derramamento sem precedentes e indiscriminado é um cumprimento da profecia de Joel de que nos “últimos dias” Deus derramaria seu Espírito sobre todos os que invocam o nome do Senhor.

O teólogo Chad Brand explica que, das sete passagens do Novo Testamento que descrevem um batismo no Espírito Santo, seis delas apontam para “o cumprimento da promessa do recebimento do Espírito ( João 14: 25-27 ; 15:26 -27 ; 16: 7-11 ), primeiro para os judeus em Jerusalém, depois para os gentios. Os judeus e gentios cristãos agora são um não apenas porque têm um Salvador comum, mas porque têm o mesmo Espírito ( Ef 2: 11-3: 6 ; Gal. 3:28 ; Rom. 2: 9-29 ; Col. 1: 26-27 ). ”

Em Atos 2 os judeus foram batizados pela fé em Jesus; em Atos 10 os crentes gentios também foram batizados no Espírito por meio da fé em Jesus. O batismo do Espírito acontece no momento da conversão.

O Teólogo carismático dimensional Dr. Larry Hart destaca que o Batismo do Espírito no Novo Testamento refere-se à conversão, santificação inicial e capacitação espiritual, bem como a sua concretização na vida cristã total.  

Em sua pesquisa do material bíblico, Hart faz a distinção entre a ênfase paulina e lucana na doutrina do Espírito. Paulo fala de iniciação e Lucas complementa isso adicionando a natureza fortalecedora do Espírito. As seguintes frases são usadas por Lucas em Atos: batizados em, vir em cima , cheio com, o Espírito é derramadoreceber o Espírito Santo, o Espírito Santo é dado, e do Espírito Santo cai sobre crentes. A ênfase é clara para Hart; A ênfase de Lucas é a dimensão “poder para a missão” da pneumatologia. Para ele, a da obra pascal do Espírito (Salvação, conversão, estão presente na literatura joanina), a obra purificadora do Espírito (santificação, consagração, é encontrada na literatura paulina) e pentecostalismo trabalho do Espírito (Serviço, Carisma, é encontrado no relato de Lucas em Atos). Hart dessa forma destaca as diversas dimensões do Espírito descrito de forma diferente pelos três autores bíblicos. É o mesmo evento do batismo com Espírito Santo descrito de dimensões diferentes: receber a plenitude de Cristo.

Eliezer Oliveira
Eliezer Oliveira

Tenho 25 anos e sou diretor do Blog Vida Trocada, autor dos livros E Ele nos tornou Santos, Nada Além do Sangue (Livro Publicado) e Hiper Graça: O Que Realmente Defendemos (Livro Publicado). Também sou coautor do livro Interpretando a Escritura. Sou professor do curso Universidade da Graça, Vida na Graça e Teologia com Graça, e também atuo como Escritor Fantasma para alguns ministérios. Atualmente estou cursando Teologia (ESTÁCIO), sou casado com uma escritora maravilhosa, amante da leitura e de um bom café.

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