Rodrigo Mocellin, Victor Azevedo e o debate sobre a Hiper Graça

Recentemente fui marcado no Facebook em uma publicação sobre o debate entre Victor Azevedo e o pastor Rodrigo Mocellin sobre a Hiper Graça. O título do debate era “A doutrina da Hiper Graça: Heresia ou Evangelho Verdadeiro?” O debate ocorreu nessa Quarta-feira (15/06).1 O apresentador e mediador foi o Pr. Adson Belo – sim, falaremos dele aqui.

Eu estava ansioso por esse debate. Não porque achei que haveria uma verdadeira exposição do ensino HG (Hiper Graça) por parte do Victor, mas porque eu gostaria de verificar as críticas à HG que seriam pronunciadas pelo pastor Mocellin. (Estou trabalhando em um mega livro sobre a Hiper graça que dará mais dor de cabeça aos críticos.)

Sendo sincero, eu gostei de algumas das afirmações do Victor, mas fiquei decepcionado com suas respostas em outras questões. Porém, isso não significa que as respostas de Victor sejam as respostas dadas pelos ensinos HG para as questões levantadas. Muitos outros pastores e líderes HG dariam respostas mais equilibradas e consistentes com o nosso ensino. Mas, de antemão, gostaria de elogiar o Victor pela coragem e pela insistência em proclamar a centralidade de Cristo.

Agora, meu objetivo com esse texto é ressaltar ainda mais o desconhecimento sobre o ensino HG e responder algumas críticas levantas pelo Mocellin e pelo Adson. Não vou destacar cada detalhe do debate, ou cada minuto da live. Meu objetivo é trabalhar os pontos cruciais e oferecer a minha resposta a elas. (Aqui é um proponente HG, que se identifica com o termo e o ensino, fornecendo explicações e respostas para as questões.)

Introdução

De início, como de praxe, preciso destacar que o pastor Mocellin e o mediador desconhecem o ensino da Hiper Graça. Assim como Subirá, Mocellin sofre de ignorância quanto ao ensino da Hiper Graça. Eles dizem muito sobre o assunto, mas fornecem poucas evidências e provas para embasar o que é dito. Na verdade, para ser claro com o leitor, até mesmo Victor Azevedo deixou a desejar nesse ponto. Ele poderia ter citado nomes de autores e livros que realmente ensinam a Hiper graça. Porém, em grande parte das vezes, Victor parece ter deixado de lado o termo.

Todos concordaram que a Graça é Hiper. No entanto, os críticos (Moderador e Mocellin) enfatizaram que o termo Hiper Graça se refere a uma “deturpação da Graça”, isto é, a Hiper graça apresenta outro ensino sobre a Graça, um ensino diferente dos apóstolos. Preciso dizer que essa é uma deturpação do termo hiper graça (criado pelo Dr. Michael Brown).

Além disso, a carência de fontes e citações sobre o ensino HG é notável. Quais são os pregadores HG mais conhecidos? Quais são os livros da Hiper graça? Será que Mocellin e o Abson conhecem o Dr. Andrew Farley, o Dr. Paul Ellis? Será que eles ao menos sabem quem é o maior crítico HG (Dr. Michael Brown)? Eles sabem sobre o encontro do maior pregador HG (Joseph Prince) com o Dr. Brown? Um encontro amigável e edificante – quem sabe Mocellin chame Brown de Antinomiano! Eu preciso repetir essas perguntas de novo e de novo, para demonstrar a completa ignorância sobre o que realmente ensinamos.

Liberdade para o pecado?

Já de início, Victor esclarece que a Graça não nos fornece licença para o pecado, e que os pregadores HG não dão licença para pecar. Mocellin responde concordando que muitos pastores da Hiper Graça respondem o mesmo. Porém, para ele isso não é suficiente. Segundo ele, “alguns elementos mal colocados aqui que acabam – não de maneira direta – induzindo a isso”. Em outras palavras, mesmo que o ensino HG seja contra o pecado diretamente, indiretamente, seus ensinos induzem a uma vida libertina. Será? Para Mocellin, na prática da Hiper graça o que temos é uma vida de libertinagem. Essa é uma acusação bem forte. E os ouvintes esperariam que Mocellin fornecesse evidências – ele tem o ônus da prova – mas, infelizmente ele não o faz, em nenhum momento.

Do lado de cá, eu ficaria feliz de mostrar ao pastor Mocellin que o ensino HG tem transformado diariamente a vida de inúmeras pessoas, libertando-as de vícios de pornografia, drogas e álcool.

Se essa mensagem fosse um escape diário para o pecado, então deveríamos esperar que seus ouvintes e crentes vivessem vidas deliberadas na libertinagem, não é mesmo? Ou no mínimo, deveríamos esperar que eles suavizassem o pecado ou que diminuíssem a “lista” do que é imoral. É essa realidade em nosso meio? Eu não vejo isso. Na verdade, em minha experiência diária na Hiper Graça tenho visto inúmeros testemunhos de irmãos e irmãs que têm experimentado de liberdade contra pecados e vícios de álcool, drogas e pornografia. Mocellin e Abson já leram os livros de Prince e viram os inúmeros testemunhos – não são poucos – de vidas transformadas pela mensagem da Graça? Poderiam também ler o site oficial de Prince e verificar os testemunhos? O irônico é que até mesmo o Dr. Brown concordou que inúmeras pessoas estão recebendo libertação do pecado por meio de pregações da Hiper Graça. Ele comenta:

Sem dúvida, muitos crentes foram transformados ao ouvir Joseph Prince e outros ensinarem sobre a graça, e é porque muito do que eles estão dizendo é bíblico.2

Caro pastor Mocellin, na prática da Hiper Graça, temos compartilhado vividamente e extensamente a Graça que recebemos em Cristo Jesus.

Uma das melhores partes desse início é quando Victor cita o Dr. Martyn Lloyd Jones que diz o seguinte sobre os perigos de apresentarmos o Evangelho da Graça:

Não há melhor teste para saber se um homem está realmente pregando o evangelho da salvação do Novo Testamento do que este. Algumas pessoas podem entender e interpretar errado, achando que tudo se resume a isto, que pelo fato de sermos salvos só pela graça, não importa o que se faça; pode-se continuar pecando tanto quanto se desejar, pois isso redundará em ainda mais glória da graça. Se minha pregação e minha apresentação do evangelho da salvação não expuserem essa compreensão equivocada, então não se trata do evangelho. […] Existe uma espécie de perigo envolvendo a verdadeira apresentação da doutrina da salvação.3

Noutras palavras, a reação de Mocellin, Abson e de todos os que chamam o ensino da Hiper Graça de “licença para pecar” é uma evidência de que estamos pregando o verdadeiro Evangelho – agradecemos por isso.

Mocellin, Hiper Graça e Antinomianismo

Junto com a questão da libertinagem, Mocellin fala sobre o antinomianismo. Ele prefere chamar os pregadores HG de antinomianos do que de pregadores da Hiper Graça! O que esse termo significa? Mocellin tenta nos apresentar uma definição: o antinomiano é contra a Lei. O antinomianismo defende que não precisamos mais da Lei. Suas definições partem de algumas considerações do livro do Dr. Sinclair Ferguson, “The Whole Christ: Legalism, Antinomianism, and Gospel Assurance—Why the Marrow Controversy still Matters.” Mocellin cita as partes do livro onde Ferguson trata sobre a “Controvérsia da Medula” (Marrow Controversy), que começou em 1716, com William Craig (ainda quero escrever sobre isso). O Dr. Ferguson possui ótimos pensamentos sobre o antinomianismo e o legalismo em seu livro. Não sei se Mocellin chegou a ler a seguinte afirmação do Dr. Ferguson (do mesmo livro):

Jesus nunca foi acusado em sua vida de ser um legalista. Mas a questão do antinomianismo surgiu.4

Para Ferguson, Jesus foi acusado de ser antinomiano, mas nunca foi acusado de ser legalista. Por quê? Isso acontece porque na exposição do Evangelho, nosso senso de justiça própria não consegue compactuar com uma mensagem que centraliza os nossos olhos em Cristo. Logo, nessa exposição, como Jones coloca, existe o perigo de sermos identificados com o antinomianismo. Se não passarmos por tal perigo é porque não estamos expondo e proclamando o mesmo Evangelho que Paulo – novamente, agradecemos aos críticos!

Durante o debate, Mocellin fala do antinomianismo como um monstro onipresente em toda a Igreja. Ele até mesmo diz que muitos Reformados e Protestantes Tradicionais são antinomianos! Como Mocellin chega a essa conclusão? Ele cria o seu próprio conceito de antinomianismo – com alguns recortes do trabalho de Ferguson – e depois fornece o resultado ao público. No final, muitos e muitos teólogos entram na caixa gigante de Mocellin sobre o significado de antinomianismo.

De acordo com Mocellin, o antinomianismo: 1) Ensina que não precisamos mais da Lei (qual Lei? Do AT ou do NT?); 2) Não precisamos pregar a Lei para pregarmos a Graça, e que o Evangelho é diferente da Lei.

Vamos trabalhar o primeiro ponto. De acordo com Mocellin, o antinomianismo defende que não precisamos da Lei na Nova Aliança. Os pregadores HG concordariam com essa afirmação rapidamente. Porém, espere um pouco. A qual Lei Mocellin se refere? Se refere à Lei Mosaica ou à Lei de Cristo na Nova Aliança?

O primeiro ponto a ser destacado é que os pregadores da Hiper Graça se opõem ao uso incorreto da Lei da Antiga Aliança, não a Lei propriamente dita. Quando afirmamos que a Lei possui algum papel santificador ou justificador estamos indo além do seu papel vital: Apontar para Cristo, mostrando a nossa insuficiência. Paulo deixa bem claro que no cumprimento desse objetivo, a Lei não vigora mais (Romanos 10:4; Gálatas 3:24; Efésios 2:15; 2 Coríntios 3:7-11; Colossenses 2:14; Hebreus 7:12, 8:7-13)

Nós respeitamos o verdadeiro uso da Lei, e levamos a sério seu propósito de destruir todo o senso de justiça própria, levando o homem à fé em Cristo.

Do mesmo modo, precisamos definir melhor o termo antinomianismo. O verdadeiro antinomianismo pode ser definido assim:

Antinomianismo na teologia cristã é um termo pejorativo para uma heresia que ensina que os cristãos não têm obrigação de obedecer às leis da ética ou da moralidade. O antinomianismo é o oposto do legalismo, a noção de que a obediência a um código de lei religiosa é necessária para a salvação.5

O antinomianismo ensina que não existe qualquer tipo ou gênero de lei ou ética. É claro que não defendemos isso (veja esse texto). A Hiper Graça não defende a exclusão de qualquer Lei ou Ética na Nova Aliança, ela afirma categoricamente que não estamos sob a Lei da Antiga Aliança. A ética na Nova Aliança é uma “Ética cristã”, fundamentada em Cristo, e em sua Obra, é uma “Ética cruciforme”, onde o evento da cruz e ressurreição de Jesus é a própria fonte de proclamação de toda moralidade. O autor de Hebreus escreve:

Pois quando há mudança de sacerdócio, é necessário que haja mudança de lei.

Hebreus 7:12

O contexto mais amplo do capítulo implica que a chegada de Jesus não traz apenas uma “nova Lei”, mas um novo formato de Lei. A mudança de Lei citada pelo autor não é somente de uma Lei para outra, mas de um tipo de Lei para outro tipo de Lei. A mudança ocorreu na natureza da Lei.

Na Nova Aliança, a Lei não é “faça para ser”, mas “faça porque você é”. Em Cristo somos chamados a agir de acordo com a nossa nova identidade.

A acusação de antinomianismo é uma crítica precipitada, injusta e que não compreende o panorama geral do nosso ensino. Se trata de usar um termo técnico antigo para tentar definir debates atuais com uma natureza totalmente distinta.

Em seu segundo ponto, Mocellin defende o que chamamos de preparacionismo. Segundo ele, a apresentação da Graça é dependente da apresentação da Lei. Isto é, precisamos destacar a dimensão da pecaminosidade humana por meio da Lei para que possamos proclamar os indicativos da Graça de Deus. Esse é o conhecido ordu saluts (ordem da salvação) da teologia reformada. Precisamos expor a ira de Deus, o inferno, a Lei, antes de proclamar as maravilhas da Graça.

Os defensores HG se opõem ao preparacionismo porque ele inverte a ordem bíblica a respeito da salvação. Concordamos com a necessidade de apresentar a Lei primeiro aos que não compreendem a dimensão da insuficiência humana e, por isso, não creem em Jesus como salvador. No entanto, o mesmo não pode ser dito a respeito dos pecadores em geral. Esses já reconhecem essa insuficiência e já estão repletos de culpa e condenação. O teólogo Shawn Lazar comenta:

… uma coisa é reconhecer que um indivíduo precisa ser convencido de seu pecado antes de estar pronto para crer no evangelho e outra coisa é dizer que ninguém pode crer em Jesus para a vida eterna sem passar por uma longa preparação de convicção e lidar com sua pecaminosidade primeiro.6

C.F.W Walther (1811-1887) foi um teólogo luterano americano de língua alemã. Ele escreveu no século 19, quando muitos evangelizavam as pessoas dizendo-lhes que tinham que passar por um período de preparação antes de virem a Cristo com fé. Isto é o que Walther tinha a dizer sobre essa mensagem:

Não é horrível dizer às pessoas que aprenderam por experiência que são pobres, pecadores perdidos e ainda estão presos ao pecado que – embora Deus os tenha de fato redimido – eles ainda precisam fazer muito mais do que crer para serem resgatados? De acordo com esse ensino horrível, os pecadores querem compartilhar com Deus a obra de sua redenção. Isso é nada menos que blasfêmia”7

Eu não ficaria surpreso se Mocellin classificasse Walther como um antinomiano! Na verdade, Mocelin cita Watchman Nee e diz que vê nele muitos “ensinamentos da Hiper Graça”, e diz que Nee é antinomiano! Quero fazer um comentário breve sobre isso. Primeiro, fico feliz que Nee tenha sido brevemente apresentado, ele foi e continua sendo uma forte influência no ensino HG. Segundo, para muitos críticos, os pregadores HG acusam todos os que discordam deles de serem “legalistas”. Mocellin não está fazendo o mesmo? Ele não está dizendo que todos os proponentes HG são antinomianos? Isso é engraçado.

O preparacionismo serve para os homens imersos em justiça própria, os que precisam passar pelo “pântano do desespero” (ecoando John Bunyan) antes de chegarem à Cruz suficiente de Cristo. No entanto, essa prepação não é aplicável aos pecadores em geral, pois esses já estão extremamente conscientes de sua miserabilidade. Para provar esse ponto, basta verificarmos os Evangelhos. Nas narrativas dos Evangelhos, Jesus fornece Graça aos pecadores e Lei aos religiosos. A dinâmica do ordu salutis de Jesus é diferente daquela que Mocellin nos apresenta. Como por exemplo, Jesus dá Lei ao jovem rico, mostrando sua total incapacidade (Lucas 18:18-23), mas fornece Graça a Zaqueu (Lucas 19). Não é interessante que Lucas descreve esses dois eventos em capítulos sequenciais? Zaqueu e o jovem eram ricos, porém, havia uma diferença em ambos: o senso de justiça própria ou a falta dele. No primeiro caso, Jesus oferece os mandamentos da Lei como forma de ser salvo (v.19-20). No entanto, em Zaqueu não vemos nenhuma apresentação da Lei. Jesus não conscientiza Zaqueu de seu pecado, Ele pede para entrar em sua casa (v.5). Zaqueu é transformado apenas por esse ato (v.8). Depois Jesus finaliza dizendo: “Hoje veio a salvação a esta casa, pois também este é filho de Abraão. Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido.” (Lucas 19:9,10).

Uma pergunta simples a Mocellin: O que gerou transformação em Zaqueu? Foi a proclamação da Lei, da ira divina ou Jesus em sua completa Graça? Esses eventos de transformação pela graça ocorrem em diversos textos em todo o NT. Como Victor destacou, é a “bondade de Deus que nos conduz ao arrependimento” (Romanos 2:4).

A evidência mais forte de que a proclamação do Evangelho não depende primeiramente e exclusivamente da exposição da Lei pode ser encontrada no Evangelho de João. Aluízio Silva está certo ao destacar que João é um livro Evangelístico.8 O próprio João destaca o objetivo de seu Evangelho:

Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.

João 20:31

O irônico é que em todo o livro de João não vemos Jesus apresentando a vida eterna apenas depois de proclamar os terríveis perigos da Lei ou da ira de Deus. Na verdade, Jesus é extremamente objetivo nesse evangelho, proclamando diretamente a salvação pela fé. (Veja João 3:16-17, 36; 5:24, 39; 6:40, 47, 54). Em diversos momentos Jesus esclarece a simplicidade de receber a salvação: “aquele que beber da água que eu lhe der” (João 4:14), “Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome” (João 6:35). Lazar comenta:

Não há nada que o pecador precise fazer antes de crer. Como podemos dizer hoje, os incrédulos têm um “problema do filho, não um problema do pecado”. Isto é, eles não precisam lidar com seus pecados antes de vir à fé. Eles podem crer em Jesus imediatamente. Quando Jesus evangelizou a mulher no poço, Ele não disse a ela para deixar seu namorado antes de tomar um gole da água da vida (João 4:13-14).

Mocellin e os seus “textos-prova” contra a Hiper Graça

Para tentar apoiar sua posição de que a Lei, a ira de Deus etc., antecede a proclamação da Obra de Cristo, Mocellin cita alguns textos. Ele cita Gálatas 3:24 onde Paulo descreve a Lei como um pedagogo para Cristo. Mocellin defende que a Lei faz esse papel contínuo de nos levar até Cristo. Essa é uma conclusão bem problemática, pois evapora todo o argumento construido por Paulo no capítulo 3 e 4 de Gálatas. Paulo não está dizendo que precisamos ir à Lei continuamente para chegar a Cristo, ele está descrevendo o evento histórico no qual a Lei foi dada – preparando os Israelitas para a chegada do Messias:

Mas digo isto: Que tendo sido a aliança anteriormente confirmada por Deus em Cristo, a lei, que veio quatrocentos e trinta anos depois, não a invalida, de forma a abolir a promessa.

Logo, para que é a lei? Foi ordenada por causa das transgressões, até que viesse a posteridade a quem a promessa tinha sido feita; e foi posta pelos anjos na mão de um medianeiro.

Gálatas 3:17,19

Paulo argumenta que a Lei é um instrumento histórico, tendo seu fim em Cristo (Romanos 10:4). Agora, os cristãos não estão mais submissos à Lei Mosaica (veja Gálatas 3:24; 4:1-6). Porém, a Lei ainda pode ser usada – em religiosos – para mostrar a insuficiência do homem. Usar a Lei para outros fins ou aplicá-la no cristão é esticar o objetivo descrito explicitamente por Paulo no próprio texto de Gálatas 3:24.

Do mesmo modo, Paulo argumenta que a Lei vem antes da Graça, a promessa veio antes da Lei. Isso se opõe à narrativa de Mocellin que faz a Graça depender da Lei. A Lei é um mero instrumento para um fim. A Graça é um fim em si mesma.

Mocellin também cita Romanos 1:18 para dizer que: A) A pregação do Evangelho inclui a proclamação da ira de Deus; B) Antes de falarmos sobre a justificação pela fé devemos falar da Lei, da ira de Deus. O problema dessa posição é múltiplo.

Primeiro, o próprio texto de Romanos 1:16-18 se opõe à posição de Mocellin. De acordo com Mocellin, devemos pregar a Lei antes de proclamarmos a Graça. Paulo não segue essa sequência. Antes de falar do pecado (v.18), Paulo fala do Evangelho (16-17). Do mesmo modo, o início da carta de Paulo começa com uma apresentação de Jesus:

O qual antes prometeu pelos seus profetas nas santas Escrituras,
Acerca de seu Filho, que nasceu da descendência de Davi segundo a carne,
Declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de santificação, pela ressurreição dentre os mortos, Jesus Cristo, nosso Senhor.

Romanos 1:2-4

Em segundo lugar, Paulo não para por aqui, mesmo citando a ira de Deus, ele não destaca essa proclamação da ira como a força motriz que nos leva a uma vida correta. Na verdade, Paulo enfatiza que é a “bondade de Deus que nos conduz ao arrependimento” (Romanos 2:4). Além disso, mais à frente, Paulo afirma que por meio da justificação “estamos em paz com Deus” (Romanos 5:1), e “não há mais condenação para os que estão em Cristo Jesus” (Romanos 8;1). Romanos 1:18 é o estado de toda a humanidade sem Cristo, mas os capítulos seguintes descrevem aqueles que receberam o dom gratuito da justificação.

Por último, a “impiedade” e a “injustiça” do verso 18 não são meros atos de pecado em geral. O Dr. Paul Ellis explica que Paulo está se opondo à incredulidade, já que nos versos anteriores ele destaca a justificação pela fé: “A incredulidade é rejeitar Jesus (João 3:36) e negar o Senhor (Judas 1:4). É rejeitar a palavra de Deus e julgar – se indigno da vida (Atos 13:46). É suprimir a verdade (Rom. 1:18) e deleitar-se na maldade (2 Ts. 2:12). É desviar -se (Heb. 12:25), e pisar ao Filho de Deus (Heb. 10:29)”.9

Em outras palavras, nos versos 16-17 Paulo destaca que a justificação é pela fé. No verso 18 ele começa a lidar com aqueles que rejeitam essa justificação, afirmando que eles estão “sob a ira de Deus”, e que cometem impiedade. Desta forma, a explanação que começa no verso 18 em diante se trata de Paulo mostrando a religiosos que negavam Jesus o estado do homem sem Cristo. A apresentação da ira de Deus aqui contém um objetivo específico e não implica que devemos falar da ira de Deus em cada pregação. Na verdade, esse não é o modus operandi das demais apresentações do Evangelho presente nas Escrituras.

De acordo com Mocellin os pregadores da Hiper Graça “arrancam essa parte de Romanos 1”. Isso é verdade? De nenhuma forma. Na verdade, nós interpretamos corretamente esse verso dentro do todo da carta de Romanos. Muitos pregadores HG concordariam em falar da ira de Deus dentro do contexto da obra salvífica de Cristo. É isso que Paulo expressa aqui em Romanos 1:18.

Mocellin também diz que recortamos Mateus 3:2 onde diz: “E dizendo: Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus”. Para ele, nós tiramos a parte do arrependimento. Essa é uma afirmação sem fundamento. A exegese do Dr. Paul Ellis põe abaixo a afirmação de Mocellin:

Na nova aliança, arrependimento significa simplesmente uma mudança de mente. Quando Jesus veio pregando: “Arrependam-se e creiam no evangelho” (Marcos 1:15), ele estava dizendo: “Mude sua mente incrédula e creia nas boas novas do reino que está próximo”. Não nos arrependemos para manipular Deus a trazer o Reino; nos arrependemos porque seu Reino está próximo.10

De acordo com Mocellin, a pregação do Evangelho “começa com a Lei”. Ele enfatiza esse ponto diversas vezes. Segundo ele, o Evangelho inclui a proclamação da Lei. Os reformadores discordariam de Mocellin. Eles enfatizaram a diferença entre lei e graça. Walther, como a confissão Luterana, afirma que todas as Escrituras são divididas em Lei e Graça: “O conteúdo doutrinário de toda a Sagrada Escritura, tanto do Antigo como do Novo Testamento, é constituído por duas doutrinas que diferem fundamentalmente uma da outra, a saber, a Lei e o Evangelho”.11 Unificar Lei e Evangelho diluirá ambos. A Lei exige, a Graça fornece. A Lei pede um “faça para ser”, a Graça proclama o “está feito!”

Atos 5 Refuta a Hiper Graça?

A parte mais triste do debate é o momento em que o moderador cita Atos 5. Ele afirma com convicção que Atos é uma espécie de “criptonita” para a Hiper Graça. Victor é encurralado na parede com essa passagem e não consegue fornecer uma explicação, dizendo que não possui uma resposta. A partir daqui Mocelin – que até então estava encurvado no canto – encontra uma “brecha” para atacar o ensino HG.

A partir daqui os dois pastores investem inúmeros ataques ao ensino HG, afirmando que “rasgamos e ignoramos o AT”, mas que não podemos fazer nada a respeito de Atos 5 que está presente no NT. Para eles, Atos 5 refuta a Hiper Graça. Victor, infelizmente não fornece uma resposta.

Por que essas afirmações? Porque os dois pastores são ignorantes a respeito do ensino HG. Na opnião deles, os pregadores e proponentes HG creem que Deus não estava presente nos atos do Antigo Testamento, que a Hiper Graça ignora essas passagens. Isso é verdade? Com certeza não.

Em primeiro lugar, todos os líderes HG como Joseph Prince, Paul Ellis, Andrew Farley, Andrew Wommack, Mauricio Fragale, Aluízio Silva e outros, acreditam que foi o próprio Deus quem realizou esses eventos do AT. No entanto, eles afirmam os seguintes pontos: 1) No AT o sacrifício de Cristo não havia sido feito; 2) A relação do homem com Deus era mediada pela Lei, que apenas gera ira (Romanos 5:13). No entanto, na Nova Aliança, a ira de Deus foi exaurida em Jesus e, por isso, Deus não pode mais castigar ou derramar sua ira sobre os homens. Proponentes HG argumentam que se Deus – após derramar sua ira na cruz – derramá-la no homem outra vez, não estará sendo justo, mas injusto.

Outro ponto a destacar é a posição de alguns líderes HG – como o Dr. Ellis – de que Deus não castiga e não derrama sua ira sobre crentes e descrentes. Outros, como Prince, defendem que os descrentes ainda estão debaixo da ira de Deus. Enfim, o panorama completo é amplo e não temos tempo e espaço para fornecer mais detalhes. No entanto, isso já demonstra que Abson e Mocellin fizeram afirmações equivocadas sobre o ensino HG. Eles são ignorantes em relação ao nosso ensino. A falta de embasamento e provas nas afirmações dos pastores é uma grande prova disso.

Em segundo lugar, quando chegamos em Atos 5 temos diferentes explicações. Mocellin e Abson fazem parecer que o ensino da Hiper Graça é unânime em relação a Atos 5 – que não temos respostas! (Eles não sabem o quanto isso é engraçado). Parece que no ensino HG não sabemos o que fazer com Atos 5! Abson até diz que no ensino HG quem matou Ananias e Safira foi Pedro! De onde ele tirou isso? Dos seus próprios pensamentos – dos nossos escritos que não foi.

No meio HG existem diversas explicações e respostas para o evento de Atos 5. Na verdade, quando começamos a conhecer e a crer no Evangelho da Graça, Atos 5 é um dos primeiros textos a serem explicados. É uma espécie de ABC da Graça – por isso fiquei surpreso com a posição do Victor, ela não nos define.

Dentre as explicações temos: 1) Atos 5 está tratando de descrentes e Deus estava protegendo os crentes (Joseph Prince);12 2) Atos 5 trata-se de dois cristãos que caíram da fé, apostaram e receberam uma punição divina (Andrew Wommack);13 3) Atos 5 não prova que Deus castigou o casal. Não existe evidências que apontem para isso. A morte de ambos pode ter acontecido por infarto cardíaco, consequências naturais do pecado e etc. (Andrew Farley, Paul Ellis).14 Para mim, essa posição é a mais fiel ao texto. Não há evidências de que Deus matou Ananias e Safira, e eu explico isso em outro lugar.

Ira de Deus, pecado, inferno e a pregação de Mocellin

Por Daniel Moreira Filho

Mocellin, ao definir a Hiper Graça: “O pai disso é a serpente que diz Deus não mata, um dos seus apóstolos é Marcião… e a música tema é só love, só love”.

Ao dizer essa frase Mocellin diz explicitamente que pregamos um Deus que é somente amor, mas que não é justiça. E eu só consigo imaginar a cena de Lucas 4:17-19, em que Jesus fala de um texto de Isaías que diz respeito a Graça e o amor de Deus, de Deus anunciando boas notícias, libertando cativos, dando vista aos cegos, libertando oprimidos e anunciando o ano aceitável de Deus, porém temos um problema se você ler Isaías 61, você vai perceber que Jesus oculta a vingança de nosso Deus, se Mocellin estivesse lá qual reação ele teria? Seria Jesus um pregador do “só love, só love”? Seria Jesus mais um seguidor da Hiper Graça que ignora textos que falam sobre a ira de Deus? Ou seria Jesus mais um dos que pregam um Evangelho de só rosas?

A imagem mais perfeita para mim sobre o ensino da Hiper Graça é o de Isaías 61. Verdadeiramente o Evangelho tem o poder em si mesmo de transformar vidas e pessoas, a palavra Evangelho significa literalmente boas notícias. Não boas misturadas com ruins. A imagem que Mocellin tem do Evangelho é totalmente distorcida, ele acha que o Evangelho tem mais a ver com a Lei do que Graça. Para ele a principal característica de um local onde se prega verdadeiramente o Evangelho é um lugar onde se tem uma consciência de pecado e uma imagem de “pecadores nas mãos de um Deus irado”. Porém para o anjo em Lucas 2:10..:


“E o anjo lhes disse: Não temais. Eu vos trago Boas Novas de grande alegria, que o será para todo o povo.”

Para o anjo o teste para ver se o verdadeiro evangelho está sendo pregado é quando seus ouvintes sentem alegria e não medo ou terror de um Deus zangado que quer nos matar. Mocellin não percebe o quanto ataca a suficiência da Graça e amor de Deus, colocando na Lei um poder que ela não tem.

Em uma das partes do debate, Mocellin cria uma figura de linguagem dos danos dos ensinos da Hiper Graça a respeito do Joãozinho (Minuto 27:35) que foi mandado embora de casa pela esposa porque é vagabundo e picareta, mas aí ele ouviu por um pregador que Deus amava ele como ele era e nada sobre o pecado dele, aí ele foi procurar outra esposa. Claramente Mocellin demonstra um completo desconhecimento do que falamos. Joseph Prince, um dos principais pregadores da Hiper Graça diz em seu livro “Destinados a reinar”:


“Eu, Joseph Prince, sou veementemente , completamente, agressivamente e irrevogavelmente contra o pecado! O pecado é perverso. Eu realmente não tolero o pecado. Um estilo de vida pecaminoso somente leva você à derrota e à destruição. Então, apesar de nosso objetivo ser o mesmo, o ponto em que diferimos é “como” obter a vida vitoriosa. Alguns pensam que é pregando mais a lei. Estou convicto de que é pregando a Graça de Deus”.15

Como o meu irmão Eliezer, concordo que existem pessoas que possuem muita justiça própria, que acreditam que são salvos e possuem identidade a partir de si próprios e suas obras. Essas pessoas necessitam da pregação da Lei, porém isso não significa apresentarmos um Deus diferente do que vemos em Cristo, como um Deus que odeia e deseja condenar pessoas. Não estamos mais sob o véu da Antiga Aliança (2 Co 3:14) em que as pessoas viam Deus de modo errado na Lei, pois em Cristo ele foi aniquilado (2 Co 3:16). Quando digo pregar a Lei, me refiro em apresentar que tal pessoa é insuficiente em se salvar por si mesma (veja o jovem rico). Porém, essas pessoas são exceções, não devemos colocar isso como um estilo de evangelismo global, achar que a salvação das pessoas depende de uma apresentação inicial da Lei para então pregar a Graça é tirar toda a suficiência que a Graça tem em si mesma.

Por isso, discordo de Mocellin no que diz a respeito de que ao evangelizar nosso foco central deve estar na pecaminosidade do homem. Paulo diz em Romanos 5:20 que o pecado abundou, isso é verdade, porém a Graça superabundou. A Graça é superior e consome todo o poder do pecado sobre nossas vidas. A Graça é muito maior que nossos pecados. Vemos em João 3, Jesus conversando com um dos principais fariseus, ou seja, ele era alguém religioso, com muita justiça própria. Como foi a pregação de Jesus? Foi envolta de ira, condenação, consciência de pecado e lei? Não, foi envolta de “Deus amou o mundo de tal maneira” (João 3:16); Amor é aquilo que Deus é em si mesmo. Se o Joãozinho que Mocellin apresentou tão somente aceitar esse presente, o amor escandaloso do Pai, Filho e Espírito Santo, tenho a plena certeza que a mudança de vida dele vai acontecer naturalmente. E esse Joãozinho não vai somente não adulterar como diz a Lei, mas esse Joãozinho vai conseguir amar sua esposa da mesma forma que ele se sente amado, a Lei não pode trazer isso, somente a Graça pode.

Conclusão

As afirmações de Mocellin e Abson sobre a Hiper Graça partiram de conclusões equivocadas, opiniões sem fundamento e desconhecimento em relação aos nossos ensinos. Como eu afirmei, isso é rotina dos críticos HG. Eles não conseguem fazer o “trabalho de casa” – uma pesquisa básica. Nesse texto, além de refutar as críticas levantadas, forneci uma pequena ajuda aos críticos – apresentei a eles o Dr. Michael Brown! Espero que isso ajude Mocellin e os demais críticos nas próximas formulações em relação à Hiper Graça.

Notas de Rodapé

1.https://youtu.be/_E7v4aeAUWI

2. Michael Brown, Hyper-Grace: Exposing the Dangers of the Modern Grace Message (Charisma House, 2014), pág. 115

3. D. Martin Lloyd Jones. The New Man: An Exposition of [Romans] Chapter 6. London: Batmer ofTruth, 1972. p. 8,9

4.Sinclair B. Ferguson, The Whole Christ: Legalism, Antinomianism, and Gospel Assurance—Why the Marrow Controversy Still Matters (y Crossway, 2016), pág. 118.

5. Citado em https://acriticalchristian1971.wordpress.com/how-would-i-answer-the-question-to-how-is-antinomianism-relevant-to-the-church-today/

6. https://faithalone.org/blog/c-f-w-walther-on-horrible-evangelism/

7. C.F.W Walther, Law & Gospel, pág. 421

8. Veja https://youtu.be/y8EIqm8Uals

9. https://thegracecommentary.com/romans-1/#romans1v18

10. https://thegracecommentary.com/repentance/

11. https://lutherantheology.com/uploads/works/walther/LG/lecture-01.html

12. https://youtu.be/cIQlO4tXZ4M

13. https://youtu.be/YViAHFzf4h8

14. Dr. Farley: https://youtu.be/5TouMs3QGBg; Dr. Ellis: https://escapetoreality.org/2015/04/09/what-about-ananias-and-sapphira/

15. Joseph Prince, Destinados a Reinar, pág. 36

Eliezer Oliveira
Eliezer Oliveira

Tenho 25 anos e sou diretor do Blog Vida Trocada, autor dos livros E Ele nos tornou Santos, Nada Além do Sangue (Livro Publicado) e Hiper Graça: O Que Realmente Defendemos (Livro Publicado). Também sou coautor do livro Interpretando a Escritura. Sou professor do curso Universidade da Graça, Vida na Graça e Teologia com Graça, e também atuo como Escritor Fantasma para alguns ministérios. Atualmente estou cursando Teologia (ESTÁCIO), sou casado com uma escritora maravilhosa, amante da leitura e de um bom café.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *