Graça Barata e a Graça Gratuita do Evangelho

Quando falamos de “Hiper Graça” automaticamente surge um termo relacionado — a Graça barata. Críticos da Hiper Graça (que é o Evangelho) utilizam o termo graça barata como sinônimo de Hiper Graça, ou no lugar de “libertinagem”. Graça barata é mais um dos termos abusados em seu sentido e significado. O propósito é manchar uma mensagem antes que uma análise sincera seja feita. Mas afinal, qual o significado desse termo e por que ele não se relaciona com o Evangelho da Graça?

Origem do termo

O teólogo Dietrich Bonhoeffer em seu livro Discipulado (The Cost of Discipleship) deu origem ao termo.[1] Bonhoeffer viveu no período nazista na Alemanha, e conviveu com uma igreja apática em relação aos movimentos nazistas e déspotas. Bonhoeffer se opôs aos padres luteranos que concediam perdão sacramental aos frequentadores da igreja que eram nazistas ativos. Eles cometiam erros, confessavam seus pecados na igreja e seriam sacramentalmente “perdoados”. Isso foi considerado “graça barata”.

Com base nisso, Bonhoeffer escreveu: “Graça barata é a pregação do perdão sem requerer arrependimento, batismo sem disciplina na igreja, comunhão sem confissão, absolvição sem confissão pessoal. Graça barata é graça sem discipulado, graça sem a cruz, graça sem Jesus Cristo, vivo e encarnado”.[2]

Graça barata e o Evangelho

Acredito que Bonhoeffer tenha ótimos pensamentos e ensinos sobre a centralidade da Graça em Cristo. Algo que se distancia muito dos críticos que o citam. Dietrich foi um grande defensor da Graça centrada e entrelaçada em Cristo. O teólogo Jeff Mc Swain escreve:

“Para Bonhoeffer [em seu livro, The Cost of Discipleship], a graça é sobre o ‘Sim’ incondicional de Deus na pessoa de Jesus Cristo, Seu chamado para que nos comprometamos com ele [como discípulos] está embrulhado em seu compromisso conosco. Todo o nosso esforço está dentro do contexto de nossa pertença, uma reminiscência do comentário de Paulo, ‘Prossigo para torná-lo meu porque Cristo Jesus me fez seu’. … Quando Cristo chama uma pessoa para obedecer, significa tirar o jugo pesado e colocar o leve. Discipulado não é uma luta pelo poder, mas sim uma relação de amor … Para Bonhoeffer, a motivação para seguir e a capacitação para obedecer derivam da alegria da graça …”[3]

Embora eu acredite que Bonhoeffer tenha ótimos pensamentos sobre a Graça, também preciso ser sincero ao reconhecer certas discordâncias fundamentais em relação ao conceito de Graça barata proposto por ele. Não é preciso muito esforço para perceber os erros de Bonhoeffer em sua apresentação da Graça.

Na tentativa de minimizar a passividade na igreja de sua época, assim como combater qualquer envolvimento nocivo entre a igreja e os governos déspotas — destacando a vida de piedade — Bonhoeffer mancha e obscurece o significado e a preciosidade da Graça incondicional. Em outras palavras, na tentativa de combater um erro, o teólogo alemão comete outro.

Em resumo, o Dr. Charlie C. Bing esclarece o contexto de Bonhoeffer:

A visão de Bonhoeffer sobre a graça parecia mais moldada por sua experiência do que pela exegese bíblica. Seu livro, publicado pela primeira vez em 1937 e em inglês em 1949, foi motivado pela acomodação da igreja na Alemanha a Hitler. Ele estava preocupado com os membros da igreja estatal que presumiam que estavam indo para o céu, mas davam pouco ou nenhum lugar ao senhorio de Cristo em seus assuntos diários, ou em sua posição política.[4]

Embora eu concorde com as preocupações de Bonhoeffer a respeito de uma Igreja apática que não se posiciona ante as atrocidades e governos déspotas, mas que concede espaço e autoridade a eles na Igreja, acredito que a interpretação de Bonhoeffer sobre esses fatos foi fruto do contexto em que viveu e não da Obra redentora de Cristo.  No Livro Hiper Graça: O Que Realmente Defendemos, escrevi a seguinte reposta a Bonhoeffer e a todos os que o citam:

… o erro da Igreja Luterana em que Bonhoeffer se baseia foi, de fato, a concessão de “perdão sacramental”, ao invés de proclamar o “perdão parental” concedido de Deus Pai à humanidade, um perdão transformador — que é proclamado em conjunto com a transformação do nosso ser interior. Jesus disse sobre uma mulher pecadora (que tinha um longo histórico de pecados) que, “quem muito é perdoado, muito ama” (Lucas 7:47). Pedro lembrou seus leitores de que se eles não manifestassem as virtudes cristãs é porque haviam ficado cegos, “se esquecendo da purificação dos seus antigos pecados” (2 Pedro 1:9).

A Igreja deveria ter proclamado a Obra de Cristo e toda a ação que parte dessa obra. Isto é, proclamar que fomos aceitos (Efésios 1:6) e que por isso devemos aceitar a todos em amor (Romanos 15:7), que fomos perdoados em Cristo (Colossenses 2:13) e que por isso devemos e podemos perdoar (Colossenses 3:13), que fomos amados (1 João 4:10) e que por isso devemos e podemos amar (v.8,11).

A pregação da Igreja Luterana era falha não porque pregava muito sobre a Graça, mas porque pregava pouco. Era uma mensagem sem Graça, sem a Obra redentiva de Cristo, sem as realidades do Evangelho.[5]

Como destaca o Dr. Andrew Farley, “a graça não é barata, é gratuita, é cara para o Doador, mas gratuita para nós”.[6] Isso se encaixa perfeitamente na afirmação de Paulo de que: “se é por graça, então não é mais por obras; caso contrário, a graça não é mais graça” (Romanos 11:6). Ou seja, se acrescentarmos obras de qualquer natureza, diluímos a Graça de Deus.

O Dr. Charles Stanley foi questionado sobre a graça barata. Em uma mensagem chamada “O alto custo da graça de Deus”, Stanley diz: “A graça é gratuita, mas não é barata. Custou a Deus Seu Filho, mas Ele nos dá gratuitamente”.[7] Barato implica erroneamente que compramos nossa própria salvação com um grande desconto. Mas, como diz Stanley, é grátis para nós, não é barato. Porém, para Deus não foi barato, mas o maior preço pago na história. 

Respondendo a citação de Bonhoeffer

Agora vamos considerar o que Bonhoeffer escreveu:

“Graça barata é a pregação do perdão sem requerer arrependimento, batismo sem disciplina na igreja, comunhão sem confissão, absolvição sem confissão pessoal. Graça barata é graça sem discipulado, graça sem a cruz, graça sem Jesus Cristo, vivo e encarnado”.

Embora existam outras citações de Bonhoeffer que possam ser respondidas, vamos nos basear apenas nessa como exemplo.

Em primeiro lugar, a Escritura ensina perdão sem arrependimento? Não em relação ao arrependimento bíblico e verdadeiro. O arrependimento, como o termo em si já esclarece, é uma “mudança de mente” (meta=mudança/ noia=mente). Se o arrependimento é uma mudança de comportamento, então temos sérios problemas em relação a um dos baluartes da Reforma Protestante — Sola Gratia. Em outras palavras, se preciso mudar meus comportamentos para ser perdoado, logo, o que se segue, é que o perdão não é por gratia. Paulo afirma que Deus nos perdoou todas as nossas ofensas quando cremos em Jesus (Colossenses 2:13).

A Escritura ensina que o batismo deve estar ligado à disciplina da igreja? Bonhoeffer veio de uma tradição que vê a salvação começando com o batismo, geralmente o batismo infantil (pedobatismo). A disciplina na Graça é uma correção que parte da Identidade do crente em Cristo. Logo, a correção na Igreja se trata de ensinar e destacar as verdades do Evangelho (ver como exemplo de correção: 1 Coríntios 3:21-23; 6:1-11; 16-20; 2 Timóteo 3:16). E é claro, ninguém nasce de novo pelo batismo. A regeneração ocorre quando cremos em Cristo para a vida eterna.

A Bíblia ensina “comunhão sem confissão”? Depende de como entendemos 1 Coríntios 11:28: “Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma do pão e beba do cálice.” Não creio que isso se refira à confissão de pecados. No contexto, Paulo está pedindo aos crentes de Corinto que examinem sua própria atitude em relação à Ceia. O exame é em relação à consciência do significado da Ceia. O “comer do pão e beber do cálice indignamente” (v.27) é uma referência ao modo de participar e não ao participante. Indignamente é um advérbio de modo, e refere-se à prática e não ao praticante.

E quanto à “graça sem discipulado”? Devemos seguir a Cristo para nascer de novo e para manter a nossa salvação? Isso é o que Bonhoeffer está dizendo. No entanto, ele está errado. Efésios 2:8-9 deixa claro que fomos salvos pela graça por meio da fé sem as obras. O discipulado é subsequente à salvação e não anterior ou basilar a ela. Na verdade, só podemos ser verdadeiros discípulos (agindo como o Mestre), se tivermos Sua vida inserida em nós (novo nascimento). O discipulado não é imitar um Cristo externo, mas manifestar o Cristo interno.

E a “graça sem a cruz”? Bonhoeffer não quer dizer graça sem a morte de Cristo na cruz por nossos pecados. Ele se refere à graça sem que tomemos nossas próprias “cruzes” e soframos por Cristo. Isso, obviamente, é salvação pelas obras — baseada em textos bíblicos fora do contexto.

Em relação à parte “graça sem Jesus Cristo”, existem duas possibilidades: 1) Se refere à salvação sem seguir o exemplo de Cristo; 2) Se refere à Graça como um conceito abstrato separado da pessoalidade de Jesus Cristo. Estou convencido de que a segunda opção é mais correta, após examinar os demais escritos de Bonhoeffer (algo que faço no livro Hiper Graça). Nesse ponto, não há discordâncias. A Graça jamais deve ser separada de Cristo.

O comentário de Shawn Lazar resume esse ensaio:

Chamar nossa posição de graça barata não faz sentido. Afinal, dizer que a graça é barata implica que ainda custa algo. Mas não estamos dizendo que a vida eterna nos custa apenas um pouco (ou seja, que é barato) — estamos dizendo que a vida eterna é gratuita.[8]


[1] Dietrich Bonhoeffer, Discipulado (Mundo Cristão, 2016).

[2] Bonhoeffer, p. 14.

[3] Jeff McSwain, Movements of Grace: The Dynamic Christo-realism of Barth, Bonhoeffer, and the Torrances (Ebook, 2015), p. 96-97.

[4] Charles C. Bing, The Cost of Discipleship, Journal of the Grace Evangelical Society

[5] Eliezer Oliveira, Hiper Graça: O Que Realmente Defendemos (Pod Editora, 2023), pág. 272-273

[6] Andrew Farley, “Why There Is Nothing Dangerous or Cheap about Grace”, website: https://www.crosswalk.com/faith/spiritual-life/why-there-is-nothingdangerous-or-cheap-about-grace.html

[7] Charles Stanley, “The High Cost of God’s Grace”, publicado 20 de Abril, 2021, website: https://www.intouch.org/listen/radio/the-high-cost-of-godsgrace

[8] Where Did We Get the Term “Free Grace”? – Grace in Focus Articles

Eliezer Oliveira
Eliezer Oliveira

Tenho 24 anos e sou diretor do Blog Vida Trocada, autor dos livros E Ele nos tornou Santos, Nada Além do Sangue (Livro Publicado) e Hiper Graça: O Que Realmente Defendemos (Livro Publicado). Também sou coautor do livro Interpretando a Escritura. Sou professor do curso Universidade da Graça, Vida na Graça e Teologia com Graça, e também atuo como Escritor Fantasma para alguns ministérios. Atualmente estou cursando Teologia (ESTÁCIO), sou casado com uma escritora maravilhosa, amante da leitura e de um bom café.

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