O Evangelho da Hiper Graça: Mostrando a Verdade

Introdução

Por Eliezer Oliveira

No dia 27 de novembro, no Instagram, os reverendos e pastores Hernandes Dias Lopes, Augustus Nicodemus, Samuel Vitalino e o cantor Fernandinho se reuniram em live para expor o “potencial maligno” da doutrina da Hiper Graça.1

Muitos dos nomes presentes na live são de peso para o Brasil. São teólogos admiráveis. Essa admiração e respeito alcança até aqueles do círculo da “hiper graça”. Não é difícil encontrar vídeos e textos de Hernandes ou Nicodemus em nossos grupos do WhatsApp, ou músicas do Fernandinho em nossas contas do Facebook. (Obs.: O meu livro Nada Além do Sangue, foi inspirado em uma de suas músicas!)

Para nós, esses homens são irmãos em Cristo. Embora tenhamos discordâncias significativas, temos o mesmo Pai. Infelizmente, enquanto do nosso lado mantemos uma visão generosa, a recíproca não é verdadeira. Para eles, os defensores da hiper graça são hereges que estão disseminando libertinagem e liberdade para o pecado, enquanto deturpam doutrinas essenciais à fé cristã.

O Pr. Samuel Vitalino, no final da live, afirma que precisamos ter uma “conversa respeitosa sobre o contraditório”, enquanto desativa os comentários da live e conversa com três pastores da mesma posição. O outro lado não é apresentado. Não existe um pastor HG convidado para expor sua visão e demonstrar as falhas de interpretação do outro lado.

Além disso, se tratando de líderes de tamanha relevância e conhecimento, esperávamos uma live com exposições reais e fiéis ao nosso ensino, sem deturpações e distorções. Infelizmente, não é isso que acontece. A maioria das críticas erra o alvo do ensino HG, e aquelas que realmente acertam são jogadas para debaixo do tapete.

Por causa desse panorama, nós do blog Vida Trocada, com o Pr. Mauricio Fragale, decidimos escrever esse texto. Esse não é um “texto resposta” no sentido de ataque, calúnia ou crítica severa. É um texto resposta no sentido respeitável e esclarecedor. Nosso objetivo é esclarecer nossa visão, demonstrar a base bíblica, e expor as críticas sem fundamento.

O Pr. Fragale conclui: “acho importante deixar bem claro para o público que não estamos buscando briga ou conflito com esses, ou qualquer outro pregador, ou pastor. Nossa intenção é esclarecer e demonstrar, com o total suporte bíblico contextualizado, que as acusações feitas contra aquilo que eles chamam de hiper graça são absolutamente infundadas. Tampouco nos intitulamos os donos da verdade, mas, por sermos cristãos sinceros que se dedicam a estudar a Palavra, não podemos ver a graça de Deus sendo tratada por aqueles que nos criticam como se fossem os donos da verdade, e nós, um grupo de ignorantes ou hereges que manipulam a Palavra com a finalidade de induzir o povo de Deus ao erro.”

Confissão de pecados/1 João 1:9

Por Mauricio Fragale

A primeira coisa a entendermos sobre a doutrina da confissão de pecados é que ela se baseia em apenas um versículo que aparece em 1 João 1:9. Embora um versículo bíblico seja o suficiente para que reconheçamos a palavra e a vontade do nosso Deus, existem ali alguns problemas de interpretação que exigem um esclarecimento. Não basta citar apenas uma das palavras no grego e tentar explicá-la, porque a coisa vai mais além, até mesmo verificando outras palavras do texto no seu original.

A palavra CONFESSAR, no grego do Novo Testamento, é HOMOLOGEO (pronuncia-se HOMOLOGUEO). Nos dicionários de Hebraico/Grego, Strong, e Vine’s, dois dos melhores e mais consultados do mundo, HOMOLOGEO significa “dizer a mesma coisa”, “confessar em concordância”.2 Até aí temos um argumento nos mostrando apenas que o termo HOMOLOGEO tem, dentro do contexto bíblico, o sentido de dizermos o mesmo, confessarmos em concordância com aquilo que a Palavra de Deus diz a respeito de qualquer assunto, mas no caso de 1 João 1:9, o contexto fala sobre a questão do pecado. Poderíamos argumentar que se devemos dizer a mesma coisa que Deus diz sobre o nosso pecado, então devemos dizer que estamos plenamente perdoados, uma vez que são vários os textos neotestamentários que nos afirmam que fomos remidos de todo o pecado.

Mas a questão não fica limitada ao termo HOMOLOGEO. Existe ainda algo a ser visto que nos esclarece ainda mais. Por duas vezes, no texto do versículo 9 de 1 João 1, o termo “pecado”, na versão em português, aparece no plural, “pecados”. “Se confessarmos os nossos PECADOS, ele é fiel e justo para nos perdoar os PECADOS e nos purificar de toda injustiça”.

Acontece que no original grego o termo traduzido no plural, está no singular: HAMARTIA. Mais uma vez, nos melhores e mais consultados dicionários de grego neotestamentário, HAMARTIA é definido como “uma causa, a origem, a força geradora do pecado”. Portanto, HAMARTIA não são os pecados (roubar, mentir, adulterar, etc.), mas se refere à NATUREZA PECAMINOSA.
Se colocássemos o termo traduzido corretamente, teríamos algo mais ou menos assim: “Se confessarmos o nosso PECADO (assumirmos que possuímos a natureza pecaminosa, ao invés de ficar tentando nos justificar), ele é fiel e justo para nos perdoar O PECADO (nos livrar da velha natureza e nos dar uma nova natureza, o novo nascimento), e nos purificar de toda a injustiça” (coisa que foi realizada na cruz do Calvário, e se manifesta quando confessamos, não os nossos pecados, mas a Jesus como nosso Senhor e Salvador).

Interessantemente, no versículo 10 a tradução do grego coloca PECADO no singular (“se dissermos que não temos cometido PECADO, fazemo-lo mentiroso…”), quando no original essa palavra está no plural, HAMARTANO. Veja bem: HAMARTIA é a natureza pecaminosa, aquilo que faz do homem um pecador. HAMARTANO é uma consequência inevitável de HAMARTIA. O homem sem Jesus não é um pecador porque peca, mas porque a sua natureza é pecaminosa, herança de Adão. Por isso o Apóstolo Paulo, no capítulo 2 de Efésios, nos diz que ÉRAMOS, POR NATUREZA (não por obras ou feitos), filhos da ira. Todo esse texto de Efésios 2 fala da nossa antiga natureza que foi removida e substituída por uma NOVA NATUREZA, a natureza de Cristo. Se não foi assim, então não nascemos de novo e ainda estamos mortos em nossos delitos e pecados e a obra de Cristo na cruz foi em vão. Por isso todo esse trecho de Efésios se referindo a quem éramos antes de Cristo nos salvar, usa verbos no tempo PASSADO: ÉRAMOS filhos da ira (um modo bem-educado de dizer que estávamos afiliados ao diabo), ele nos deu vida quando ESTÁVAMOS MORTOS nos nossos delitos e pecados, nos quais andamos OUTRORA, e por aí vai.

É preciso entender que todo o capítulo 1 de 1 João é uma repreensão e um apelo aos GNÓSTICOS, que eram uma seita que estava tentando invadir e influenciar as igrejas, e que, entre outras heresias, afirmavam que o pecado não existe, mas é apenas uma ilusão da carne. Por isso o capítulo 1 dessa epístola é de caráter evangelístico, e não uma mensagem para quem já se converteu a Cristo.

A partir do capítulo 2, João começa a falar diretamente à igreja. O termo com o qual o capítulo 2 se inicia é “filhinhos”, e não mais a linguagem severa do capítulo 1.

Portanto, a mensagem de todo o capítulo 1 de 1 João é uma resposta, uma exortação, uma repreensão e uma série de argumentos antignósticos, assim como um convite para que aqueles que estavam se deixando envolver por aquela doutrina herética se arrependessem, reconhecessem e admitissem sua condição de pecadores e se convertessem a Cristo para serem justificados, ou seja, purificados de TODA INJUSTIÇA, coisa que aqueles que estão em Cristo JÁ FORAM.

Obs: Aqueles que tiverem interesse em se aprofundar nesse tema, recomendamos o novo livro do Pr. Fragale, “Plenamente Perdoados“.

Podemos pecar à vontade?

Por Daniel Moreira

Primeiramente, queria começar esse texto demonstrando minha profunda admiração por Nicodemus, Hernandes Dias Lopes e Fernandinho, são três homens de Deus que já me abençoaram muito com seus ensinamentos e o Fernandinho com seus louvores cristocêntricos. Porém, o que direi aqui é baseado na live que fizeram sobre a hiper graça.


Hiper Graça e a licença para pecar

O assunto mais recorrente é que os pregadores da hiper graça dizem que podemos pecar à vontade. Aqui vai a pergunta: qual a fonte de tal afirmação? Qual embasamento? Eles podem responder: “Vocês não dizem diretamente isso, mas essa é a conclusão que fazemos dos seus ensinos!” Esse é um dos maiores problemas, pois a interpretação de algo parte do subjetivo de cada pessoa. Nossos ensinos contradiz diretamente o que eles pensam sobre o Evangelho e a vida cristã, ou seja, obviamente essa acusação será levantada. Isso aconteceu com Paulo em Romanos, várias vezes. Paulo foi mal interpretado por pregar o Evangelho da Graça. Podemos ver isso em vários momentos: Romanos 3:8; Romanos 6:1; Romanos 6:15. Se Paulo pregasse um Evangelho misturado de Graça com Lei, não seria acusado.

Lutero, aquele que deu início à Reforma Protestante, também foi mal interpretado. Um blog católico diz: “Mas Lutero corrompeu as próprias doutrinas de Cristo, e deu aos outros permissão para pecar”.

Não é de admirar que os líderes da igreja, atualmente, não recebem tais acusações, e eu pergunto ao leitor: qual será o motivo?

O pecado e a vida cristã

A nossa resposta a essa acusação obviamente é “não”! Porém, a explicação do porquê não podemos viver dissolutamente é algo mais profundo do que os críticos pensam. Aqui, entra a questão da “identidade”. Nós, da hiper graça, defendemos uma mudança de identidade em todo aquele que crê em Cristo. Para nós, todos já nascemos pecadores nesse mundo, carentes de Deus. Por quê nascemos pecadores? Por causa do pecado de Adão. Não é um pecado individual que torna as pessoas pecadoras, mas o ato de Adão. Estávamos incluídos em Adão, porque ele era o representante da humanidade.

É aqui que Cristo entra em cena. Nossos críticos não entendem que Cristo não somente morreu pelos nossos pecados, mas nós morremos com Ele (Romanos 6:6). Cristo não somente ressuscitou, mas nós ressuscitamos com Ele (Efésios 2:6). Isso é algo real e verdadeiro para nós, HOJE! Isso aconteceu em nosso espírito, mas por acontecer no espírito não significa que seja menos real do que o físico. Devemos lembrar que o mundo material surgiu do espiritual (Hebreus 11:3). Pregamos e dizemos que Deus é real, Jesus é real, o céu e o inferno são reais, mas diante dessas realidades do Evangelho gaguejamos, afirmando que só será verdade no futuro. Isso soa a incredulidade, é exaltar a obra de Adão sobre a obra de Cristo.

É aqui que definimos o pecado como uma contradição do nosso ser. Quando agimos e somos dominados pelo pecado estamos, na verdade, contrariando quem somos. Vejamos o exemplo de Paulo em 1 Coríntios 6, onde alguns irmãos em Corinto estavam se relacionamento sexualmente com prostitutas. Qual foi a exortação de Paulo? Como Paulo abordou esse problema? Com a lei? Com a ameaça da perda de salvação? Ou foi com a identidade? A última é a resposta verdadeira. Paulo diz no verso 15 que os corpos desses irmãos são membros de Cristo. Isso levanta um escândalo, significa que esses irmãos estavam pegando os membros de Cristo e unindo-os a prostitutas. Isso é uma crise teológica, ou seja, a união com Cristo não é algo que formulamos ou inventamos. Paulo diz ser algo que mesmo em um bordel não podemos nos livrar. (Oh, meu Deus! Que heresia!) E isso é o fator motivador do comportamento correto. Os membros de Cristo não combinam com o corpo de uma prostituta, justamente porque é impossível que aquele que está unido a Cristo una-se a uma prostituta, pois ele estaria se comportando de um modo que contradiz quem ele é. Tal pessoal esqueceu sua verdadeira identidade, por isso Paulo exorta tão fortemente: “Vocês não sabem?” (v.15,16,19).

Joseph Prince, a maior referência daqueles que pregam a hiper graça, diz:

“Quando um crente está lutando contra o pecado, isso é um caso de identidade confusa — ele pensa que ainda é um pecador sujo e corrompido, e como resultado disso, continuará viver como um pecador sujo e corrompido. Porém, quanto mais ele percebe que foi justificado independente de suas obras, mais ele será revestido de poder para viver corretamente.”3

Todos cremos que a Graça, não a Lei, nos leva a viver corretamente (Romanos 6:14; Tito 1:12). Quando encontramos um irmão vivendo em pecado, nós o exortamos e o lembramos de sua real identidade – nova criatura em Cristo (2 Coríntios 5:17). É importante salientar que se há alguém em nosso meio afirmando estar tudo bem “pecar na graça”, há duas alternativas para explicar isso: 1) Ele não entendeu a Graça verdadeiramente (é salvo, porém, está permitindo que o pecado domine seu corpo – Romanos 6:12); 2) Não nasceu de novo (essa é a opção provável para tal situação, visto que aquele que creu, mesmo que esteja errando e sendo dominado pelo pecado, deseja sair desse lugar porque é ovelha do Senhor). Somos totalmente contra o pecado, e aqueles que dizem que compactuamos com o pecado nem ao menos procuram estudar o que dizemos sobre:

“Eu, Joseph Prince, sou veementemente, completamente, agressivamente contra o pecado! O pecado é perverso. Eu realmente não tolero o pecado. Um estilo de vida pecaminoso somente leva você à derrota e à destruição. Então, apesar de nosso objetivo ser o mesmo, o ponto em que diferimos é “como” obter a vida vitoriosa. Alguns pensam ser pregando mais a lei. Estou convicto de que é pregando a Graça de Deus.”4

Para nós, existem consequências de viver pecando. Um exemplo: se um marido trair sua esposa, o que acontecerá? Poderá ocorrer divórcio, ferida, culpa, condenação, depressão etc., ou seja, mesmo que Deus tenha perdoado absolutamente todos os nossos pecados, horizontalmente ainda existem consequências. É a lei natural do mundo em que vivemos.

Por último, só queria pedir algo aos críticos que tanto dizem que nossa mensagem gera destruição e pecados na vida da igreja. Convido esses irmãos a visitarem a página de testemunhos do pastor Joseph Prince e clicarem na aba “superando culpa e vícios”. Peço que leiam todos os relatos de irmãos libertos das drogas, adultério, pornografia etc. Ora, vamos lá! Se a mensagem da hiper graça dá carta-branca ao pecado, por qual motivo ela produz o oposto? Desafio vocês a fazerem isso. Deixem a parcialidade de lado para conhecerem verdadeiramente o que a hiper graça ensina!

A União com Cristo e a perfeição completa

Por Eliezer Oliveira

Qual é a visão HG sobre a união do crente com Cristo? Acreditamos que essa união tira do crente a possibilidade de pecar?

Qualquer proponente da hiper graça ficaria assustado em ler essa última frase. Ninguém pensa na união com Cristo dessa forma.

Porém, lamentavelmente, é isso que os pastores da live pensam a nosso respeito. Segundo eles, a hiper graça ensina uma união com Cristo que elimina o pecado da vida do crente. Os pastores citam Watchman Nee afirmando que “ele fala da união com Cristo onde a conclusão é que você não peca”.

De onde tiraram essa conclusão? Não sabemos. A fonte não é citada – quem sabe por falta de tempo, ou porque é uma conclusão equivocada do ensino de Nee.

Nee é uma influência no ensino HG. No entanto, na leitura de seus livros não encontrei um tratamento da união com Cristo que defenda isso. Na verdade, em “O Homem Espiritual”, Nee expressa justamente o inverso. Entre a metade e o final do livro, ele explica como é possível um crente nascido de novo e unido a Cristo viver na “alma” e na carne, isto é, pecar. Apenas isso é suficiente para responder ao reverendo.

Acreditamos na união com Cristo como o alicerce de tudo o que somos, temos e podemos. O Pr. Fragale explica como a união com Cristo fundamenta a identidade cristã:

Pegue o novo testamento, leia, medite, estude e sublinhe e ao encontrar expressões como “em Cristo”, “por Cristo”, “através de Cristo”, “nele”, “no Amado”, etc., marque com especial atenção, porque essas são passagens que mostram quem você é em Cristo.

Seguindo Nee e outros nomes do passado, a teologia da hiper graça crê que a união do crente com Cristo é espiritual. Aqui, é necessária uma compreensão tricotômica do homem (homem como espírito, alma e corpo), o que põe abaixo toda a argumentação da live em relação à união com Cristo.

O homem, segundo o ensino HG, é espírito, alma e corpo (1 Tessalonicenses 5:23). O espírito é a sede de sua união com Cristo, onde nos conectamos a Deus. A alma é a sede da mente, emoção e vontade. O corpo é a parte material que se comunica com o mundo externo.

A união com Cristo acontece no espírito: “aquele que se une ao Senhor é um só espírito com ele” (1 Coríntios 6:17); “O próprio Espírito testemunha ao nosso espírito que somos filhos de Deus” (Romanos 8:16). Em espírito o crente é completo, pois está unido a Cristo (Colossenses 2:9-10).

Embora o espírito esteja unido a Cristo, a alma ainda possui a bagagem de pecado da velha vida, os modos e as maneiras antigas. Por isso, o crente é chamado a “renovar a mente” (Romanos 12:2), “manter o pensamento nas coisas do alto” (Colossenses 3:2), a ser “renovado no modo de pensar” (Efésios 4:23).

À medida que renovamos a mente na Palavra de Deus, conhecendo a nossa identidade espiritual, o corpo deixa de ser usado para o pecado e se torna um “instrumento de justiça” (Romanos 6:13).

Concluindo, a união do crente com Cristo não elimina o ato de pecar. O que essa união elimina é o domínio do pecado sobre o crente. Estamos sempre sujeitos ao pecado, mas não precisamos obedecê-lo como antes. Agora, devido a nossa identidade justa e santa, podemos viver em novidade de vida (Romanos 6:4).

Santificação Completa?

Por Eliezer Oliveira

Na live, os pastores defendem a “salvação de três tempos”. Esse ensino diz que “Já fomos salvos, estamos sendo salvos e seremos salvos”. Resumimos na seguinte divisão:

  • Justificação – Salvo da culpa e condenação do pecado (um ato jurídico e feito de uma vez por todas)
  • Santificação – Salvo do poder do pecado (um processo)
  • Glorificação – Salvo da presença do pecado (na vinda de Cristo)

Nesse esquema, a justificação é emancipação da condenação, uma absorção sem feitos reais e espirituais. A santificação se torna um processo de cooperação entre o crente e o Espírito, onde nos tornamos cada vez mais santos. A glorificação seria a transformação do corpo em um corpo incorruptível.

Para os reverendos, o ensino HG colapsa justificação e santificação como algo já consumado, e até insere a glorificação nessa união ao defender a condição de uma “santificação completa”. É isso mesmo que defendemos?

O ponto aqui é: o que é santificação? Na visão reformada, expressa pelos líderes da live, é um processo gradativo, onde o crente se desprende do ato pecaminoso, assim como de seu poder. Devido a sua Teologia “Já e ainda Não”, os reverendos até concordariam que o crente é “santo”, mas apenas em um sentido “posicional”. O crente é santo, mas precisa se santificar diariamente.

O ensino HG se opõe a isso, pois, entende que a obra da cruz não apenas providenciou uma “posição” justa e santa – no sentido meramente jurídico do perdão de pecados. A justificação envolve perdão, mas vai além do perdão. Cristo morreu por nossos pecados, mas o outro lado do Evangelho é que morremos com Ele (Romanos 6:1-8; Gálatas 2:20; Colossenses 2:20; 3:3). Essa morte é a destruição do velho homem, quem éramos em Adão (Romanos 5:19).

Desta forma, quando dizemos que um crente é justo é porque ele é, de fato, justo. Seu espírito foi recriado em Cristo (Efésios 2:10; 4:24), e agora, por causa da co-crucificação com Cristo, a velha natureza foi extinta, abrindo espaço para o novo homem espiritual (Efésios 2:1-3; 2 Coríntios 5:17).

A santificação segue o mesmo processo. Embora haja discordâncias em relação a isso no meio HG, existe o consenso de que pela Graça divina a vida santa de Deus é inserida em nosso espírito e passamos a ser santos. Não é apenas uma identidade conceitual e posicional em uma era porvir. É uma identidade espiritual e real, na constituição do nosso ser.

A visão dos reverendos é de uma salvação externa que em nada altera o nosso ser. Pelo menos é essa a conclusão transmitida na live. O ensino HG discorda disso, pois, acredita na salvação interna. Enquanto a grande parte dos reformados atuais tende a ver a salvação em termos meramente jurídicos (perdão, absorção, etc.), o ensino HG compreende a salvação em termos participativos (vida eterna, novo nascimento, nova identidade espiritual).

O grande teólogo T.F. Torrance afirma que um esquema externo de salvação não pode “penetrar em nossas profundidades ontológicas”5 e transformar a humanidade de seu estado de corrupção para renascer como uma nova criação. O ensino HG segue o mesmo pensamento, entendendo que a operação da salvação acontece dentro da constituição humana, gerando mudanças reais e espirituais.

Essa operação acontece na união do crente com Cristo. Enquanto a igreja separa a justificação da santificação no “ordo salutis” da salvação (ordem de salvação), o ensino HG entende que Jesus “foi feito para nós justiça, santidade e redenção” (1 Coríntios 1:30). A justificação e a santificação estão unidas em Cristo, aquele em quem já fomos “lavados, santificados e justificados” (1 Coríntios 6:11). Essa união do crente “em Cristo” é espiritual, como o próprio Paulo deixa claro em 1 Coríntios 6:11: “e no Espírito de nosso Deus”. Assim, o crente é santo em espírito na união com o Espírito Santo.

Já que estamos falando de reformados, não podemos deixar de fora o ilustre teólogo e reformador João Calvino. Calvino observa, comentando essa passagem, que “Cristo não justifica ninguém a quem ele não santifica ao mesmo tempo. Esses benefícios são unidos por um eterno vínculo indissolúvel”.6

Em outro lugar, Calvino entende que separar a justificação da santificação seria equivalente a desmembrar Cristo:

Embora possamos distinguir entre elas [justificação e santificação], Cristo contém ambas inseparavelmente em si mesmo. Você deseja, então, alcançar a justiça em Cristo? Você deve primeiro possuir Cristo; mas você não pode possuí-lo sem se tornar participante de sua santificação, porque ele não pode ser dividido em pedaços…7

Com isso, não existe “processo de santificação”, e os crentes já estão em uma “santificação completa e sem pecado”? Não é nisso que cremos.

O ensino HG tem problemas em falar da santificação como progressiva porque o termo geralmente: 1) Foca no que devemos fazer e não no que Cristo fez; 2) Coloca a santidade como algo a ser alcançado; 3) Fundamenta a identidade de santo no que precisamos fazer.

Entretanto, se concebermos santificação como manifestação da vida já inserida no crente, líderes e pastores HG teriam pouco a discordar. Nesse caso, o “processo” de santificação seria manifestar quem eu já sou em Cristo. O Dr. Paul Ellis explica isso em sua resposta ao Dr. Michael Brown:

Em Cristo somos 100 por cento santos. A mensagem que pregamos é “seja quem você realmente é”. Mas isso não é santificação progressiva como a maioria entende a frase, ou como o próprio Michael descreve em seu livro Hiper Graça quando diz que nossa santificação é posicional (ou seja: não real) e algo a ser perseguido.8

Assim, podemos resumir a visão de santificação HG da seguinte forma:

  • Em espírito – somos santos por natureza
  • Na alma – estamos no processo de renovação – manifestação de nossa natureza
  • No corpo – manifestamos agora a vida divina, mas só a manifestaremos plenamente na ressurreição de Jesus

Assim, para nós, o processo da vida cristã é alinhar nossa alma ao que já ocorreu em nosso espírito, externalizando essa realidade.

Isso esfacela as críticas dos pastores, ao demonstrar sua falta de compreensão do ensino HG, assim como a falha em compreender a divisão tricotômica do homem e o âmbito onde a salvação é operada. Como muitos líderes HG colocam, é “de dentro para fora”.

Já e Ainda Não

Por Eliezer Oliveira

Os pastores fundamentam toda a crítica ao ensino da Hiper Graça na teologia do “já e ainda não”. Por causa disso, acho importante dar uma atenção especial a esse ponto.

Ao tratar da Hiper Graça no twitter, o reverendo Augustus Nicodemus diz:

“Como tentativa de corrigir o legalismo óbvio de setores evangélicos, o movimento poderia ser bem-vindo, se não fosse uma conclusão errada do ensino bíblico acerca do ‘já’ e do ‘ainda não’, isto é, a presença atual do reino de Deus e sua vinda ainda futura…”

O que seria esse conceito? Segundo eles, essa tensão entre o “já e o ainda não” é uma divisão entre dois tempos. Esse é um conceito escatológico (a escatologia trata das últimas coisas):

Jesus chegou anunciando o reino de Deus, que o reino estava presente, mas também ensinou os discípulos a orarem “venha o teu reino”. O reino estava presente, mas ainda não.

Essa tensão você encontra nos Evangelhos, no ensino de Jesus. O Reino estava ali, o rei já havia chegado. Mas, ao mesmo tempo, ele (Jesus), disse: “quando eu vier em glória no meu reino, vou me assentar no trono para julgar as nações.”

Esse entendimento é conhecido como “Escatologia Inaugurada”. O primeiro teólogo a desenvolver esse ensino foi Geerhardus Vos, em seu livro The Pauline Eschatology. Esse e outros teólogos, entendem o reino de Deus como presente, mas ainda não.

“Jesus ensinou que a escatologia dos judeus – de que quando o messias chegasse iria inaugurar o reino glorioso – estava equivocada. A escatologia, na verdade, era uma superposição das duas eras. O mundo presente continua, mas o reino de Deus já irrompeu nele.” (retirado da live)

Noutras palavras, o reino de Cristo não é físico e literal, acontecendo no futuro. O reino de Deus é espiritual, se inicia na vida, morte e ressurreição de Jesus, mas ainda não foi totalmente consumado – isso acontecerá apenas na segunda vinda de Jesus. Segundo os pastores e outros teólogos, a presença da nova era não erradica a antiga, mas a sobrepõe. Por isso, esses teólogos falam de uma “sobreposição de eras”. Ao invés da antiga era cessar quando a nova teve início, a nova era começou bem no meio da antiga. Quando Jesus retornar, a antiga era terá fim.

Essa não seria uma compreensão logicamente viável? Não existem textos bíblicos que apontam para essa direção? Em certo sentido sim. Então qual seria o problema? A conclusão que eles trazem:

Paulo diz que nós já estamos glorificados, justificados, santificados, satanás já foi destruído. Mas, a Bíblia diz que satanás está amarrado, também diz que ele anda ao derredor como um leão que ruge. A mesma Bíblia que diz que meus pecados foram perdoados, também diz que eu preciso me arrepender e confessar os pecados. A mesma Bíblia que diz que Cristo me santificou, também diz que preciso me santificar… é a tensão entre os dois mundos, o já e o ainda não.

Em outras palavras, essa tensão “escatológica”, essa divisão de reinos, se opõe à compreensão HG no que se refere ao status perfeito e completo dos benefícios vicários de Cristo para aqui e agora.

Assim, a obra de Cristo providenciou perdão completo, santificação, cura divina, etc., mas, por causa da vigência da antiga ordem, o crente ainda é um pecador, precisa se santificar e confessar seus pecados, não podendo fugir de doenças e dores.

Segundo eles, os nossos ensinos sobre perdão completo, santificação consumada, união com Cristo, identidade e cura divina são bênçãos do reino porvir. Estamos, em certo sentido, desfrutando de benefícios desse reino aqui e agora, mas não completamente:

“É por isso que mesmo que Cristo tenha pago por todos os meus pecados, o processo ainda não está completado. Eu preciso ser liberto do poder do pecado e da presença do pecado.”

No final, eles afirmam que “já experimentamos aqui e agora um pouco dos benefícios que Cristo conquistou na cruz por nós, mas ainda não completamente”.

Cristo pagou o preço total pelos pecados, mas ainda precisamos confessá-los; Cristo me santificou, mas ainda preciso me santificar diariamente; Cristo já me garantiu a cura completa, mas ainda recebo enfermidades nesse corpo presente.

O ensino da Hiper Graça, segundo esses pastores, não entende essa diferenciação do já e ainda não, e acaba afirmando experimentar aqui e agora de benefícios garantidos por Cristo apenas para a sua segunda vinda.

Seria essa uma compreensão que parte da Escritura e do Evangelho ou apenas uma forma teológica de suprimir a eficácia do sacrifício de Cristo, resultando no foco do crente em si mesmo?

Os problemas do já e ainda não

Embora amplamente difundida no meio teológico, o conceito “Já e ainda Não” suprime a eficácia do sacrifício de Cristo em prover e realizar seus benefícios aqui e agora, empurrando tais benefícios para a sua segunda vinda.

Existem, é claro, benefícios garantidos por Jesus que só serão desfrutados em sua parousia (segunda vinda), mas, devemos entender cada benefício à luz do testemunho bíblico, ao invés de deixarmos a experiência ditar o que é ou não para hoje.

O teólogo reformado e carismático Vincent Cheung chama de “falácia” o conceito do Já e Ainda não. Ele explica os motivos:

O princípio em si não resolve nenhuma questão específica. Qual bênção é destinada ao presente ou reservada para o futuro? Devemos deixar a Bíblia nos dizer. Não podemos estabelecer o princípio e depois atribuir as coisas ao presente ou ao futuro da maneira que desejarmos. Não podemos afirmar que algo pertence ao presente simplesmente porque o queremos agora, e não podemos afirmar que algo pertence ao futuro simplesmente porque queremos desculpar-nos por não o termos. Mas o último tem sido feito ao longo da história da igreja – isto é, as coisas que a Bíblia declara explicitamente para o presente foram atribuídas ao futuro. Na verdade, quase todas as bênçãos que a Bíblia declara para o presente foram atribuídas ao futuro – em vários graus.9

Como Cheung coloca, essa teologia apenas adia aquilo que Cristo pagou para desfrutarmos hoje, aqui e agora. Os teólogos do “Já/Ainda não” deveriam ser chamados de teólogos do “ainda não”, pois toda a sua dedicação em defender esse conceito apenas expõe seu desejo em adiar para o futuro o que fez Cristo sangrar para você desfrutar agora.

É arbítrio utilizar esse conceito para escolher seletivamente aquilo que é para hoje e aquilo que não é. A Escritura deve nos fornecer essas informações. E o que a Escritura diz, de forma clara e objetiva? Ela proclama que os crentes são perdoados aqui e agora de forma completa e real: Deus não se lembra mais dos nossos pecados (Hebreus 8:12); o perdão foi dado em Jesus (Efésios 1:7; Colossenses 1:13-14); Cristo apareceu uma vez por todas para acabar com o pecado (Hebreus 9:26-28; 1 João 2:1-2); Depois de Jesus ter feito um único sacrifício para sempre, sentou-se (Hebreus 10:11-14); Por um sacrifício fomos perfeitamente perdoados para sempre (Hebreus 10:14); Nossos pecados foram perdoados (passado) e nenhum sacrifício adicional é necessário (Efésios 4:32; Colossenses 2:13-14; Hebreus 10:17-18; 1 João 2:12).

O Dr. Andrew Farley, em resposta a Hank Hannagraf, afirma:

Todo o raciocínio por trás de Hebreus 10:1-3 é que se o povo da antiga aliança tivesse desfrutado do tipo de perdão que temos hoje, então eles teriam sido “purificados de uma vez por todas” (ver versículo 2). Então é exatamente isso que temos através de Jesus Cristo: uma purificação de uma vez por todas.10

A Bíblia é clara quanto a isso: você foi e é totalmente perdoado. Não existe uma separação entre um estado de perdão completo e um estado de perdão parcial. A Escritura utiliza apenas a linguagem do perdão completo.

A divisão de “Já/Ainda não” torna o perdão real e irreal ao mesmo tempo. O que isso produz? Uma teologia focada no esforço. Segundo esse conceito, o perdão foi dado plenamente em um reino do “já”, mas, aqui e agora, preciso confessar meus pecados para obter perdão. No final, o foco do perdão recai sobre mim e Cristo é tirado de cena. Cristo apenas providencia a potencialidade do perdão, mas é você quem o consuma. Além de ser uma posição obviamente confusa, carece de fundamentação bíblica.

Ao contrário dos pastores da live, o Evangelho (Hiper Graça) aponta outra direção, afirmando que a obra da Cruz providenciou benefícios para aqui e agora. Cheung comenta:

Se precisarmos lembrá-los da distinção “já/ainda não”, então ensinaremos a eles que Jesus Cristo já veio, que ele já se tornou pecado por nós, para que possamos nos tornar a justiça de Deus agora, já carregou nossas doenças, para que possamos ser curados e sãos agora, que ele já derramou o Espírito Santo, para que possamos nos tornar embaixadores de Cristo com poderes milagrosos agora.11

A ressurreição de Lázaro nos mostra que Marta tinha um conceito “Ainda Não” (João 11). Quando Jesus foi ressuscitar Lázaro dentre os mortos, Marta lhe disse: “Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido” (v.21). Os teólogos do “Ainda Não” nos dizem: “Essas coisas aconteceram no passado”. Jesus respondeu a Marta: “Seu irmão ressuscitará” (v.23). Marta lhe disse: “Eu sei que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia” (v.24). Os teólogos do “Ainda Não” dizem: “Essas coisas acontecerão no futuro”. Jesus respondeu: “Eu sou a ressurreição e a vida” (v.25). Marta aplicou o princípio do “já/ainda não” a Jesus, mas em vez de mostrar uma espécie de educação teológica, apenas revelou a sua incredulidade e ignorância. Na teologia de Jesus, não é uma questão de tempo, mas uma questão de fé. Ele disse a Marta: “Eu não lhe disse que se você acreditasse, veria a glória de Deus?” e Lázaro ressuscitou dos mortos (v.40, 43-45).

“Está consumado?”

Outro problema óbvio da abordagem do “Já/Ainda Não” é a falha na compreensão do “está consumado” (João 20:21). Essa abordagem traz a conclusão que a segunda vinda de Cristo irá consumar o que Cristo já realizou na primeira. A minha objeção aqui é óbvia: a obra de Cristo na cruz não foi suficiente?

A Escritura afirma de forma categórica a suficiência do sacrifício de Jesus:

Se assim fosse, Cristo precisaria sofrer muitas vezes, desde o começo do mundo. Mas agora ele apareceu uma vez por todas no fim dos tempos, para aniquilar o pecado mediante o sacrifício de si mesmo. Da mesma forma, como o homem está destinado a morrer uma só vez e depois disso enfrentar o juízo, assim também Cristo foi oferecido em sacrifício uma única vez, para tirar os pecados de muitos; e aparecerá segunda vez, não para tirar o pecado, mas para trazer salvação aos que o aguardam (Hebreus 9:26-28).

Uma prova bíblica da suficiência desse sacrifício é a declaração de Cristo se assentando ao lado do Pai após ter sua obra consumada (Hebreus 10:11-13). O assentar de Jesus ao lado do Pai externaliza uma obra completa que não precisa de acréscimos. Ela foi suficiente porque Ele é suficiente. Além disso, ainda em Hebreus, vemos o autor informando a respeito de “benefícios agora presentes”:

Quando Cristo veio como sumo sacerdote dos benefícios agora presentes, ele adentrou o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito pelo homem, isto é, não pertencente a esta criação. Não por meio de sangue de bodes e novilhos, mas pelo seu próprio sangue, ele entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, e obteve eterna redenção. (Hebreus 9:11,12)

A versão King James traduz como “das coisas boas que haviam de vir” (Hebreus 9:11).

Esses benefícios agora presentes são descritos em toda a carta de Hebreus: 1) Perdão completo; 2) Novo relacionamento com Deus; 3) Santificação completa; 4) Recebimento do Espírito Santo. Não são benefícios vindouros, mas já presentes.

Essa descrição se repete em Hebreus 10:1 onde diz que “A Lei traz apenas uma sombra dos benefícios que hão de vir, e não a realidade dos mesmos. Por isso ela nunca consegue, mediante os mesmos sacrifícios repetidos ano após ano, aperfeiçoar os que se aproximam para adorar”.

Segundo o autor, a Lei não consegue trazer os “benefícios que hão de vir”. Quais são esses benefícios? Além do contexto óbvio de Hebreus 8-10, no próprio verso o autor descreve: “aperfeiçoar os que se aproximam para adorar” (v.1). No verso seguinte, o autor destaca a ineficácia da Lei em purificar os pecados, afirmando, “Pois os adoradores, tendo sido purificados uma vez por todas, não mais se sentiriam culpados de seus pecados” (Hebreus 10:2).

“Purificados de uma vez por todas” é um benefício para aqui e agora. Isso fica ainda mais claro ao longo do capítulo 10 de Hebreus: O autor fala que fomos santificados de uma vez por todas (v.10) e aperfeiçoados para sempre (v.14). Esses são benefícios que o autor de Hebreus descreve como “vindouro” no período da Lei (Hebreus 10:1), e já presentes em nossa era (Hebreus 9:11).

Se esses benefícios serão apenas desfrutados em uma era porvir, toda a argumentação de Hebreus cai, pois está sustentada na premissa de que graças a esses benefícios presentes podemos nos achegar a Deus com ousadia e alegria para adorá-lo (Hebreus 9:14; 10:1; 19-22).

A primeira e a segunda vinda de Jesus

Embora só apreciaremos plenamente da liberdade do pecado, de um corpo transformado e da perfeição total na vinda de Cristo, podemos desfrutar aqui e agora de uma identidade espiritual santa, da vitória acima do pecado, da cura do corpo etc. A teóloga Alexandra Radcliff denomina isso de a “reserva escatológica”.12 Radcliff explica a reserva escatológica nas seguintes palavras:

A reserva escatológica criada pela ascensão de Jesus significa que a pecaminosidade é uma presença contínua enquanto esperamos a plena manifestação de nossa santificação na Parousia (volta de Jesus). No entanto, embora oculta, a nossa santidade é uma realidade definitiva, o que significa que não dependemos de nossos próprios esforços em um processo externo de nos tornarmos progressivamente mais santos. A operação de nossa santificação vem de um lugar de descanso naquilo que Cristo já realizou e é um processo de desvelamento dessa realidade.13

Em outras palavras, a primeira vinda de Cristo já estabeleceu a realidade definitivamente, e não precisamos – ao contrário da posição dos reverendos – nos esforçar para trabalhar nisso. A segunda vinda de Cristo não vem para “completar” a primeira, mas para manifestar plenamente o que já está feito. Radcliff esclarece as consequências disso:

Em primeiro lugar, significa que o resultado da santificação não é um processo externo de tornar-se progressivamente mais santo, que nos lança de volta aos nossos próprios esforços… não nos tornamos mais santos com a progressão do tempo. Nós já fomos feitos completamente santos em Cristo. A progressão do tempo serve apenas para revelar esta realidade definitiva.14

T.F. Torrance escreve que, “A vinda final de Cristo será mais uma revelação da realidade do que Cristo fez, ao invés de uma consumação do que até então era uma realidade incompleta.”15

A primeira vinda de Cristo estabelece de forma definitiva nossa identidade santa, nossa nova vida espiritual. Hoje, já somos, espiritualmente, santos e justos em Cristo. Sua segunda vinda não tem por objetivo aperfeiçoar essa realidade, mas manifestá-la plenamente.

Enquanto esperamos a plena manifestação dessa realidade, desfrutamos de bênçãos garantidas pelo sangue de Cristo. Não precisamos diminuir as bênçãos desse tempo para exaltar as do porvir. Podemos exaltar ambas. O sacrifício de Cristo é tão perfeito que uma “reserva escatológica” tem o poder de curar todos os enfermos que vieram até Cristo (Mateus 4:24; 8:16-17; 15:30), alimentar multidões de famintos (Mateus 14:13-21), ressuscitar Lázaro (João 11), dar poder em Espírito aos que creem (Mateus 10:1; Marcos 16:17-28), perdoar todos os pecados de um pecador (Colossenses 2:13-14), transformar sua identidade para justo e filho de Deus (João 1:12; Efésios 4:24) e providenciar um novo espírito, um novo coração (Ezequiel 36:26-27; Romanos 8:16). Podemos chamar de “reserva”, mas é uma reserva do Sangue de Jesus. Isso, por si só, deveria nos fazer cair de joelhos em adoração e em gratidão, ao invés de empurrarmos todas essas dádivas para o futuro. Essa reserva é como “as migalhas do pão dada aos filhos” (Mateus 15:22-27), pode curar e salvar a filha de uma mãe desesperada (v.28).

Cheung comenta de forma perspicaz:

Deus já “colocou o seu Espírito em nossos corações como um depósito, garantindo o que está por vir” (1:22). Porém, o próprio Espírito não é um fraco, e o dom não é apenas um gesto simbólico. O evangelho nos dá um gostinho da “bondade da palavra de Deus e dos poderes da era vindoura” (Hebreus 6:5), mesmo aqui e agora.16

É apenas um gostinho. Mas, é um gostinho capaz de transformar e de impactar espírito, alma e corpo. Afinal, aquele que estava sangrando não era um anjo ou um profeta, mas o próprio Filho de Deus.

O gostinho da bondade vindoura, os farelos do pão que caem da mesa, são capazes de transformar nosso ser, nos dar cura, trazer provisão celestial, perdoar todos os nossos pecados e fornecer uma nova identidade. Se a teologia dos reverendos não ensina isso, então não chega perto das migalhas da mesa. Não chega perto do gostinho da cruz. É menor do que isso e deve ser rejeitada por todos os que creem em uma Hiper Graça divina capaz de impactar o hoje e o amanhã.

Na live, o reverendo Nicodemus rejeita a cura divina para agora, apelando para o “já e ainda não”. Ele até menciona os textos de Isaías 53:4-5 e Mateus 8:17, mas não explica como esses textos se encaixam em sua visão. Esses textos fundamentam a cura como uma bênção para hoje. Ao invés de fornecer uma resposta a isso, o reverendo se agarra à experiência, citando o fato de ainda ficarmos doentes.

Esse não é um argumento. Nenhum pastor HG nega que nosso corpo está sujeito à doença. Nós cremos que assim como o perdão foi garantido para cada pecado, a cura foi garantida para cada doença. Ao contrário do reverendo, não começamos com a experiência, mas com a Bíblia.

Termino minhas palavras aqui com Cheung:

Os teólogos usam a distinção “já/ainda não” para desculpar a sua teologia reprovada. Eles afirmam que Deus prometeu, mas ainda não cumpriu. Porém, a verdade é que as bênçãos da redenção já estão aqui, mas eles ainda não acreditaram. Eles querem dizer que estamos esperando que Deus cumpra as suas promessas, mas a verdade é que Deus está esperando que eles acreditem nas suas promessas.17

Explicando Colossenses 3

Alguns versos são citados na tentativa de embasar a teologia do “Já/Ainda não” e confrontar a Hiper Graça. Aqui, gostaria de explicar rapidamente um desses textos, demonstrando a interpretação HG dele.

O texto em menção se encontra em Colossenses 3:

Pois vocês morreram, e agora a sua vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a sua vida, for manifestado, então vocês também serão manifestados com ele em glória. Assim, façam morrer tudo o que pertence à natureza terrena de vocês: imoralidade sexual, impureza, paixão, desejos maus e a ganância, que é idolatria. (Colossenses 3:3-5)

Segundo os pastores, nesse texto Paulo afirma que já estamos mortos, mas ainda precisamos fazer morrer “nossa natureza terrena”.

Vamos aos pontos:

Em primeiro lugar, é preciso uma exposição tricotomista para entender esse texto: o homem é composto por espírito, alma e corpo. Os versos iniciais (v.1-2) tratam de uma realidade espiritual, a nível do espírito. É um fato consumado em nosso espírito. Os versos anteriores falam da alma, da mente: “Mantenham o pensamento nas coisas do alto, e não nas coisas terrenas.” (Colossenses 3:2). Já o verso 5 fala das obras do corpo. Em espírito, já estamos mortos para o pecado (v.3-4), devemos nos considerar mortos para o pecado (v.1-2), e assim deixaremos de praticar o pecado através do corpo (v.5).

Em segundo lugar, há uma evidência grega para essa explicação. O termo original para “natureza terrena” é melos e não se refere a uma natureza, mas a “membros, órgão corporal, membro”.18 Por isso, muitas traduções preferem traduzir como “membros do corpo”:

Mortificai, portanto, os vossos membros que estão sobre a terra: a fornicação, a impureza, a afeição desordenada, a vil concupiscência e a avareza, que é idolatria. (Versão King James)

Em outras palavras, Colossenses 3 não está expondo o Já e o Ainda Não. Paulo está tratando da morte do velho homem e das implicações disso para aqui e agora.

Conclusão

É evidente que a maioria dos pastores, líderes e teólogos brasileiros apresentam um grande desconhecimento em relação à Hiper Graça. Suas críticas não refletem o que realmente ensinamos. Por esse motivo, tive a honra e alegria de convidar o pastor Mauricio Fragale, um dos maiores pregadores do Evangelho da Graça do Brasil. Assim, temos no texto uma referência de peso para avaliar o ensino HG.

Nossa mensagem não dá legalidade ao pecado, na verdade tem transformado e libertado muitas vidas. O texto de 1 João 1:9 não se destina aos crentes, mas aos incredulos gnósticos, e o objetivo de João era evangelizar esse grupo. Não defendemos uma perfeição total – no sentido de não pecar. A perfeição do crente é uma identidade espiritual estabelecida em Jesus, independente das obras. Cremos em uma santificação definitiva do espírito e em um processo de desabrochar dessa santificação para o corpo através da alma. Discordamos de uma parte considerável do conceito “Já/Ainda Não”, porque entendemos que ele deturpa os benefícios espirituais, materiais e atuais do crente. Embora creiamos na manifestação completa dos benefícios espirituais do crente apenas na segunda vinda de Cristo, também acreditamos em uma manifestação real e espiritual aqui e agora, afetando espírito, alma e corpo.

  1. https://www.instagram.com/p/C0KD7cBuCma/?utm_source=ig_web_copy_link&igshid=MzRlODBiNWFlZA== ↩︎
  2. O reverendo Nicodemus cita o nosso argumento, mas procura invalidá-lo dizendo que o termo grego significa apenas “confessar o pecado”. Fragale aponta Strong e Vine como comprovação da nossa argumentação. Veja: https://www.blueletterbible.org/lexicon/g3670/kjv/tr/0-1/ ; Vines Expositary Dictionary, (formato kindle), pág. 666 ↩︎
  3. Joseph Prince, Destinados a reinar, pág. 118 ↩︎
  4. Ibid. pág. 36 ↩︎
  5. T.FT, The Trinitarian Faith: The Evangelical Theology of the Ancient Catholic Church (Edimburgo: T&T Clark, 1988), pág. 158 ↩︎
  6. João Calvino: Institutes of the Christian Religion, ed. McNeill, John T.,trad. Battles, Ford Lewis, The Library of Christian Classics (Filadélfia, Pa.: The Westminster Press, 1960), 3.16.1). ↩︎
  7. João Calvino, Institutes of the Christian Religion, ed. John T. McNeill, trans. Ford Lewis Battles, Library of Christian Classics, Vols. 20–21 (Philadelphia: Westminster, 1960), 3.16.1 ↩︎
  8. Paul Ellis, “Some Honest Answers for Michael Brown, Escape to Reality”, publicado 24 de Janeiro, 2015, website: https://escapetoreality.org/2015/01/24/michael-brown-vs-joseph-prince/ ↩︎
  9. https://www.vincentcheung.com/2018/01/23/the-already-not-yet-fallacy/ ↩︎
  10. https://www.patheos.com/blogs/andrewfarley/2015/01/are-christians-perfectly-cleansed-do-we-have-two-spiritual-natures-andrew-farleys-response-to-the-bible-answer-man/ ↩︎
  11. Cheung, ibid. ↩︎
  12. The Claim of Humanity in Christ, Salvation and Sanctification in the Theology of T. F. and J. B. Torrance, (Kindle – página 142) ↩︎
  13. Ibid ↩︎
  14. Radcliff, pág. 144. ↩︎
  15. T.F Torrance, Space, Time and Resurrection, pág. 152 ↩︎
  16. Cheung ibid. ↩︎
  17. Cheung, ibid. ↩︎
  18. https://www.blueletterbible.org/lexicon/g3196/kjv/tr/0-1/ ↩︎
Eliezer Oliveira
Eliezer Oliveira

Tenho 25 anos e sou diretor do Blog Vida Trocada, autor dos livros E Ele nos tornou Santos, Nada Além do Sangue (Livro Publicado) e Hiper Graça: O Que Realmente Defendemos (Livro Publicado). Também sou coautor do livro Interpretando a Escritura. Sou professor do curso Universidade da Graça, Vida na Graça e Teologia com Graça, e também atuo como Escritor Fantasma para alguns ministérios. Atualmente estou cursando Teologia (ESTÁCIO), sou casado com uma escritora maravilhosa, amante da leitura e de um bom café.

8 comentários

  1. Parabéns pelo empenho não somente na realização deste texto, más em todo o trabalho realizado, revelando a maravilhosa e hiper abundante graça.
    A palavra da graça(Evangelho de Cristo) está se espalhando de forma extraordinária e tocará milhares de milhares através de cada um de nós.
    Continuem firmes frente as oposições, pois elas apenas revelam que de fato estamos no Caminho.
    Com alegria e muito amor vamos seguir, cada um de nós sendo uma voz de Cristo neste tempo.

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