Um salvo pode perder a salvação?

Uma das questões mais controversas do meio cristão é: um salvo pode perder a salvação?

Muitos debates foram realizados em torno dessa questão. De um lado temos os “Arminianos”, um grupo que segue a linha Teológica de Jacob Armínio. Arminianos, geralmente, creem que a salvação pode ser perdida.1 Do outro lado, os Calvinistas, seguidores de João Calvino, acreditam na perseverança dos santos – um salvo jamais irá perder sua salvação, pois permanecerá na fé até o fim de sua vida.2

Gostaria que nesse momento você esquecesse por completo esse embate. Deixemos de lado calvinistas e arminianos (para o Evangelho da Graça, existem erros e acertos de ambos os lados). Vamos focar na questão e ver a posição do Evangelho e da Escritura a respeito.

Podemos perder a salvação?

Existe um consenso sobre isso entre os pregadores da Graça. Até agora, não encontrei um pregador, escritor ou teólogo que divergisse quanto a isso. Joseph Prince, por exemplo, afirma que ao crermos em Jesus, estamos “salvos para sempre”, e “a vida eterna é eterna. Não seria eterna se acabasse no próximo pecado”.3

Aluízio Silva, pastor da Videira, defende o mesmo: “um cristão que é salvo, não pode mais perder a sua salvação. Uma vez que somos salvos diante de Deus, somos salvos eternamente”.4

O Dr. Paul Ellis é claro quanto a isso:

Se você está salvo agora, você está salvo eternamente. Jesus não faz salvações parciais, nem salvações temporárias, nem salvações experimentais. Ele apenas é o autor de salvações eternas.5

Outros pastores e escritores poderiam ser citados, mas, o objetivo aqui é esclarecer que o Evangelho da Graça se opõe ao ensino de que podemos perder a salvação.

O que a Escritura diz?

A Escritura é clara quanto a segurança da salvação, eliminando qualquer possibilidade de interpretação contrária. Uma das evidências mais fortes disso são as afirmações de Jesus encontradas no Evangelho de João:

As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna, e elas jamais perecerão; ninguém as poderá arrancar da minha mão. Meu Pai, que as deu para mim, é maior do que todos; ninguém as pode arrancar da mão de meu Pai. (João 10:27-29)

Os seguintes pontos podem ser destacados:

  1. Jesus disse “minhas ovelhas”. Somos dEle, não de nós mesmos. Fomos encontrados por sua Graça e agora pertencemos a Ele.
  2. Jesus nos deu VIDA ETERNA. Algo eterno é eterno. Não tem fim. Se existe fim, não é eterno. A vida espiritual que temos é infinita e inacabável porque é a vida de Cristo.
  3. Jesus afirma que jamais pereceremos! Existe alguma condição? Há algum “se”? Algum “porém”? Jamais é jamais!
  4. Ninguém pode nos arrancar da mão de Cristo! Nós podemos “pular” para fora? Isso não é uma negação da afirmação, “ninguém pode”? Ninguém é ninguém!
  5. O Pai, que nos deu a Cristo, é maior do que todos! Maior do que você, maior do que eu, maior do que todos!
  6. Novamente, ninguém pode nos arrancar da mão do Pai! Aqui vemos mais segurança ainda, pois Jesus afirma que da mesma forma que não podemos sair das mãos dEle, também não podemos sair da mão do Pai! Ambos são Um!

Como afirma o Dr. Ellis, quanto a salvação eterna, “A Palavra de Deus é cristalina”.6

Para não ficar apenas em minhas palavras a interpretação de João 10, vejamos a exegese do teólogo Millard Erickson sobre o verso 28:

“O versículo 28 é especialmente enfático… Na cláusula “e eles nunca perecerão”, João usa a dupla negativa com o subjuntivo aoristo, que é uma forma muito enfática de declarar que algo não acontecerá no futuro. Uma tradução literal seria algo como: ‘Eles, repito, não perecerão nem um pouco.’”7

Igualmente, D.A Carson escreve:

“O foco não está no poder da vida em si, mas no poder de Jesus… Pensar de outra forma implicaria a conclusão de que Jesus falhou na missão explícita que lhe foi dada pelo Pai, de preservar todos os que lhe foram dados. A segurança final das ovelhas de Jesus está com o bom pastor.”8

Além disso, no Evangelho de João a salvação é descrita como “vida eterna”. Tal definição é proposital e carrega um sentido em si. A vida que recebemos na fé em Cristo não é uma vida permanente até um dado acontecimento. Jesus enfatiza uma vida que é eterna – não tem estado de início ou fim – com o propósito de demonstrar a segurança, estabilidade e durabilidade dessa vida. Como citamos anteriormente, se é eterna é porque não pode acabar, do contrário, não seria eterna.

Após ler isso, alguns podem objetar: “mas a vida eterna será recebida apenas quando Jesus retornar”.

Essa objeção é fraca, e pode ser facilmente refutada. Ela confunde salvação com o mero escape do inferno, concluindo erroneamente que só obteremos vida eterna no fim dessa existência. Ser salvo vai além de fugir das chamas da condenação, é receber a vida de Cristo aqui e agora.

Evidências bíblicas disso não faltam. João 3:38, por exemplo, não diz “aquele que crê no filho TERÁ a vida eterna”, mas, “aquele que crê no filho TEM a vida eterna”. Igualmente, em 1 João 5:12-13 lemos:

Quem tem o Filho, tem a vida; quem não tem o Filho de Deus, não tem a vida. Escrevi-lhes estas coisas, a vocês que crêem no nome do Filho de Deus, para que vocês saibam que têm a vida eterna. (1 João 5:12,13)

Observe o tempo presente utilizado por João. Além disso, o verso 13 assegura a certeza da salvação.

Em outra passagem, João afirma novamente esse ponto:

“Eu lhes asseguro: Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna e não será condenado, mas já passou da morte para a vida.” (João 5:24)

A respeito deste versículo, Merrill C. Tenney escreve: “A certeza da salvação não começa na morte ou em um julgamento futuro. ‘Ele passou está no tempo perfeito, o que indica algo consumado e um estado estabelecido.”9 Observe que essa passagem explica um evento passado. Em outras palavras, é no momento da conversão que recebemos a vida eterna.

O Evangelho de João é um dos evangelhos mais claros quanto a salvação. Nesse evangelho, Jesus descreve a salvação de forma direta e objetiva – sem rodeios. Existe unanimidade no meio teológico acerca do propósito evangelístico de João. Dessa forma, se o objetivo de Jesus era ser claro e evangelístico, não deveríamos esperar que fosse claro quanto a perda da salvação? Além disso, ao afirmar que tal salvação é uma vida eterna, Jesus não estaria pressupondo a eternidade da salvação? Se a resposta for “não”, por que Jesus não utilizou outros termos para descrever a salvação, termos que não trariam o conceito de eternidade?

O Dr. Charles Ryrie, estava certo quando disse: “Se a vida eterna pudesse ser perdida, ela tem o nome errado”.

Igualmente, Jesus afirmou à mulher samaritana, em João 4, que aquele que bebesse da água que Ele desse jamais teria sede (v.13-14). Essa afirmação nos leva a dois entendimentos: 1) A água é o próprio Cristo; 2) “Jamais ter” sede descreve o estado eterno da salvação, ou seja, ela jamais perderia a posição de salva. Observe novamente o destaque da eternidade: “Jamais terá sede!”

Em outra passagem Jesus afirma: “Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede” (João 6:35). Aquele que prova da água, come do pão, recebe a Cristo, jamais perderá a salvação.

Respondendo objeções

“Se um crente permanecer em pecado pode perder a salvação”

Essa objeção parece “lógica” para alguns. Entretanto, se levada a sério, induz à crença na salvação por obras. Afinal, se meus pecados podem tirar minha salvação, é porque não fui salvo pela Graça.

Outro problema óbvio é a falta de compreensão da suficiência do sangue de Cristo em providenciar uma “redenção eterna” (Hebreus 9:12), carregando todos os pecados cometidos antes de serem praticados (Colossenses 2:13-14).

Por último, finalizo com a seguinte afirmação do Dr. Ellis:

Você pode perder sua salvação se continuar pecando? Deixe-me colocar desta forma: você pode ganhar a sua salvação se não pecar? A resposta para uma é a resposta para a outra, e essa resposta é não.

Assim como seus atos justos não o qualificam, seus atos injustos não o desqualificam. Jesus é a sua salvação, e o Espírito Santo no interior é a sua garantia eterna.10

“Se deixarmos de crer podemos perder a salvação”

Se colocássemos esse argumento em um silogismo, teríamos as seguintes premissas:

  1. Recebemos a salvação pela fé
  2. A fé é essencial para manter a salvação
  3. Logo, se deixarmos de crer, perdemos a salvação

A premissa 1 está correta, mas a 2 está totalmente errada. Nós recebemos a salvação pela fé, mas não a mantemos pela fé.

A Escritura ensina que os crentes podem “abandonar a fé” (apostatar). Veja estas passagens:

  • Pedro negou o Senhor (Lucas 22:34, 54-62)
  • A nação escolhida de Deus, Israel, parou de acreditar (Romanos 3:1-3; 10:16-21)
  • O apóstolo Paulo prediz apostasia em tempos posteriores (1 Timóteo 4:1-3)
  • A advertência de 1 Timóteo 4:16 implica que um cristão pode afastar-se da fé
  • Havia viúvas na igreja que “se desviaram para seguir Satanás” (1 Timóteo 5:14-15)
  • O apóstolo Paulo descreve falsos mestres que se desviaram da fé (1 Timóteo 6:20-21)
  • Aqueles que abandonaram o apóstolo Paulo e se opuseram a ele (2 Timóteo 1:15; 4: 9-10, 14-16) devem ser gentilmente instruídos para que possam escapar das armadilhas de Satanás (2 Timóteo 2:24-26)
  • Himeneu e Fileto se desviaram da verdade (2 Timóteo 2:17-18)
  • O livro de Hebreus aborda aqueles que corriam o risco de abandonar a fé, caindo da Graça (Hebreus 2:1-3; 3:12; 6:4-6; 10:26-39; 12:25)

Entretanto, cair da fé não é o mesmo que perder a salvação, pois nossa salvação não está assegurada em nossa fé, mas na obra de Jesus. A salvação não é a vida eterna recebida por uma fé eterna; é vida eterna recebida no simples ato de fé. Não é nossa fé que mantém a salvação, é Cristo que a sustenta.

Se precisamos preservar a fé para mantermos a salvação, logo, a salvação é pelas obras – se baseia em nosso desempenho de fé.

Existem textos que evidenciam a eternidade da salvação e outros que atestam, sem dúvidas, a probabilidade de um crente cair da fé. A solução para esse “problema” não é concluir na perda da salvação, mas compreender que nossa fé não sustenta a vida eterna.

No entanto, quero deixar claro aqui que, se um crente decide sair da fé, abandonar a Graça, as consequências serão inevitáveis. Alguns pastores, como Aluízio Silva, defendem a perda de recompensas no tribunal de Cristo – um tribunal de julgamento para os salvos (veja 1 Coríntios 3:11-15; 2 Coríntios 5:10). Da mesma forma, se um crente cai da Graça – retornando à Lei ou abandonando a fé – não conseguirá desfrutar de sua herança aqui e agora, se tornando um alvo fácil de ataque da religião, da condenação, do pecado etc.

Concluindo: não podemos perder a salvação

Concluindo, a Bíblia declara explícita e claramente que a salvação não pode ser perdida. Nossa salvação está ancorada na suficiência de Jesus, em quem temos a vida eterna. O crente pode cair da fé, mas, isso não traz a perda da salvação, embora traga consequências temporais e eternas.

Se você deseja se aprofundar nesse tema, recomendo dois materiais:

  • Interpretando a Escritura: 25 Versículos sobre questões controversas (nele explicamos versículos difíceis, que parecem ensinar a perda da salvação) (Clique aqui se deseja saber mais)
  • As Advertências de Hebreus (um material em PDF + uma aula de 2 horas sobre os dois textos mais difíceis de Hebreus: Hebreus 6:4-6 e Hebreus 10:26-31) (Clique aqui se deseja saber mais)
  1. No entanto, alguns arminianos acreditam que a salvação não pode ser perdida. Fonte:  https://www.bible-researcher.com/arminianism.html ↩︎
  2. Ibid ↩︎
  3. https://youtu.be/viImSI_1DPY?si=p01BtTEQXYLn7BBy ↩︎
  4. Aluízio A. Silva, A certeza da salvação, pág. 13 ↩︎
  5. https://escapetoreality.org/2018/02/01/can-you-lose-your-salvation/ ↩︎
  6. Ibid ↩︎
  7. Millard Erickson, Christian Theology (Grand Rapids: Baker Book House, 1987) pág. 1010 ↩︎
  8. Carson, D.A. The Gospel According to John (Grand Rapids, MI: Inter-Varsity Press, 1991), pág. 393 ↩︎
  9. Frank E. Gaebelein (editor). Merrill C. Tenney (autor). (Volume 9. Expositor’s Bible Commentary. Zondervan. 1984) ↩︎
  10. Paul Ellis, The Gospel in Twenty Questions, pág. 129 ↩︎
Eliezer Oliveira
Eliezer Oliveira

Tenho 24 anos e sou diretor do Blog Vida Trocada, autor dos livros E Ele nos tornou Santos, Nada Além do Sangue (Livro Publicado) e Hiper Graça: O Que Realmente Defendemos (Livro Publicado). Também sou coautor do livro Interpretando a Escritura. Sou professor do curso Universidade da Graça, Vida na Graça e Teologia com Graça, e também atuo como Escritor Fantasma para alguns ministérios. Atualmente estou cursando Teologia (ESTÁCIO), sou casado com uma escritora maravilhosa, amante da leitura e de um bom café.

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